11. Furos em meu barco

Não há furos em meu barco, menina. Na verdade, há sim, mas nada que todos nós não tenhamos. Não são inerentes à vida esses furos? Não são eles os responsáveis por nos erguermos de nossas macias (ou nem tão macias assim) camas todas as manhãs?

A água invade nosso barco através deles, inexoravelmente, incessantemente, a cada segundo! A vida é movimento, dizia Aristóteles. Disse Schopenhauer: é como descer uma ladeira em direção à morte sem ter direito algum ao arrefecimento; se cair, menina, rolará! É inevitável o destino, é iminente o movimento – e o que dizer da fadiga?

É da sorte do barco afundar, todos sabemos. A despeito disso, todas as manhãs, lá estamos, retirando baldes e baldes de densa e salina água de sua frágil estrutura, manutenindo seu movimento... Ele imergirá, todos sabemos, mas não hoje, não agora – a ladeira não nos permite contenção! Estamos condenados a viver!

A cada expiração, menina, enche-se a delicada Bolha da Vida com a certeza de que um dia ela rebentará em Morte; ciente desse cânon, navego pelo meu oceano, alojado em minha veloz e simplória embarcação – tenho espírito aventureiro, gosto de velejar por minhas águas, gosto de explorá-las, gosto de me conhecer! Nosce te ipsum! – antes que seja tarde.

Além de seu horizonte, menina, existem, universos, mundos que nunca visitou... Rios pusilânimes, lagos barrentos e oceanos profundos. Cada ser humano tem sua morada. Cada qual em seu barco, ávido em postergar, o mais possível, seu naufrágio.

Como? O meu oceano é profundo? E isso te assusta? Compreensível! Explorar águas desconhecidas, escuras, profundas e tempestuosas como as minhas é um ato de coragem, de audácia. Muitos tentam e afundam! Muitos desistem! Muitos hesitam! Alguns ficam à espreita, apenas contemplando tamanha magnitude – todos sabem que minhas águas são densas e violentas... Invadem embarcações com maestria diabólica! Sentem-se ameaçados, coitados.

Um dia, talvez, eu prepare algumas boias luminosas e as lance pelo caminho com instruções náuticas. Por hora, menina, eu só moldo, fielmente, cartas e as atiro, em garrafas de Vício, nesse entenebrecido oceano... Se capturar alguma, menina, encontrará parte de mim. E isso basta... Saciar-te-á.