A briga

Era noite de sábado, quente, abafada, entediante.A chuva ameaçava chegar a qualquer momento.Na praça principal da pequena cidade de Campanha, só alguns gatos pingados ainda bebiam, na vã tentativa de entender o mundo, ou de simplesmente tomar coragem para dar uma cantada na vagabunda mais feia do pedaço.

Eu apenas “mascava borracha” com um amigo, e nosso papo ia bem até que veio a cena a seguir: dois garotos, um mais velho, que descia a praça; ia “ziguezagueando” de um lado para o outro, e vestia nada mais além de uma bermuda jeans, toda encardida e rasgada.O outro mais garoto ainda, subia e se vestia um pouco melhor(esse apresentava uma camisa e um boné) igualmente sujos, combinando com a havaianas remendada.Mesmo sem se conhecerem, possuíam um grande fator comum: estavam bêbados, mas muito bêbados.

Um subia, outro descia.O primeiro foi para direita, o segundo para esquerda, e na hora de fazerem o caminho inverso, ocorreu um exemplo prático de uma grande Lei da Física: dois corpos nunca ocupam o mesmo lugar.Choque inicial, o que descia rodopia duas vezes antes de seguir seu rumo, e o que subia vai de cata-cavaco até a árvore mais próxima.Depois dessa trombada casual, eles poderiam ter seguido suas vidas, ido para suas casas, ou para um bar qualquer, mas o garoto menor achou uma afronta ser jogado perto da árvore.E resolveu não deixar barato:

-Oo...ostário...vochê meshmo.Vochê aê!

-Quiem, eu?-indagou o maior, virando-se e tentando equilibrar-se sobre as pernas.

-Isxo mesxmo.Por acasxo vochê qué apanha?Neguinho ta tirandoondxa comiguxx?

Confusão armada.Não é preciso mais do que duas ou três frases soltas para se iniciar uma briga quando se está embriagado.E foi o que aconteceu.Num instante, o rapaz maior tentou dar um soco na cara do menor, mas, só acertou o ar.A vez agora era do menor, que tentou fazer uma acrobacia à lá Daiane dos Santos, e por pouco não cai em cima de uma roda de amigos.Agora, toda a palhaçada tinha público.

A platéia gritava, arrotava, ria e xingava, porque afinal de contas nenhum dos dois rapazes acertava um golpe sequer e o conflito já durava bem uns vinte e cinco minutos.O suor escorria pelo corpo dos dois e o cheiro de cachaça barata tomava conta do ar.Os gritos da torcida foram aos poucos se acalmando, bem como os ânimos dos dois rapazes que devido ao exercício físico forçado começaram a passar do estado alcoólico, para um estado mais lúcido.Foi quando o menor parou e disse:

-Ufa...espera...porque...ufa... mesmo...ufa... que a gente ta...ufa... brigando???

-E eu sei lá...aff..aff...aff...

-Qualé...ufa...teu nome?

-Regiosvaldo...aff..aff..e o seu?

-Albertino...ufa.Então cara, topa uma dosinha...?Ufa, ufa...bem melhor, não acha?ufaaa...

-Só se for agora..aff...

E assim, de repente, como em seu início, a briga terminou.A chuva que ameaçava cair a noite toda finalmente começou, e os gatos pingados voltaram para suas mesas nos bares, ou para suas casas.Regiosvaldo e Albertino se tornaram grandes amigos e saem todo fim de semana para beber uma cachacinha.Mas o melhor de tudo: meu sábado enfadonho gerou do nada, uma crônica.Viva o cotidiano.