Assim ou ...nem tanto 53

Assim ou …nem tanto 53

O Jardim

Era um jardim diferente. Na verdade só eu o considerava assim. Trouxe para os meus padrões de beleza a liberdade, a simplicidade, o comum visto de muito perto. Nenhuma planta se sujeitou a guias, estacas, lugares marcados. As que as sementes traziam como projecto secreto nasciam onde podiam e muitas tinham sorte com a qualidade da terra, dos ares, das vistas. Ainda tentei sugerir caminhos às trepadeiras mas rapidamente percebi que estava a ser paternalista, ditador, quase um pai tirano. Amar nunca foi amarrar ninguém, nem sufocar, nem esconder ou impedir. A livre maneira de ser e de estar neste jardim tinham o meu respeito e, ressalvada a segurança, tudo ficaria em harmonia natural, a tal que foge à exigência dos que têm o poder mas não o sabem usar com sabedoria. Não retirei nada do seu lugar nem mesmo as pedras para não tumultuar os mundos mínimos que sabia haver sob elas. Viver este espaço era muito mais ler as maravilhas que tentar, de algum modo, alterá-las. Mas…havia as carnívoras. Eram dali. Aprenderam por si mesmas a estar como se fossem inocentes, tranquilas, exóticas de cor e formas. Assistiam aos voos da comida e limitavam-se a servir, em ambiente adequado e propício, o banquete. Caiam na sua lisura de praia os moscardos, as borboletas, as mamangabas, as aranhas. Todos achavam o aroma inebriante e aprazível o pátio viscoso que se tornaria prisão de incautos, gastura breve, morte alienada. Elas, as carnívoras, eram o mal, a punição, o aviso letal, a morte. Riam-se as orquídeas selvagens da desgraça dos insectos desatentos, dos gulosos, dos curiosos que tentavam dialogar com a traição e a falsa inocência das plantas carnívoras mas a mensagem de perigo circulou, fez-se código de conduta, atrapalhou o lanche das diferentes. A moralidade, dizia-se, acabaria com elas à míngua. Era uma promessa de Rei que nunca se cumpriu. Por falta de Reino, pela liberdade. Às vezes morre-se de queda no abismo mas importa que tenhamos a liberdade de o continuar a espreitar de perto.

Edgardo Xavier
Enviado por Edgardo Xavier em 04/07/2016
Reeditado em 04/07/2016
Código do texto: T5687395
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