DE QUANTAS LUÍZAS ESTAMOS FALANDO?

Começo esta crônica esclarecendo que sou do gênero masculino e como diz minha filha, sem reais credenciais para dissertar sobre a condição da mulher na sociedade brasileira. Todavia, minha análise, embora masculina, será o mais ética e imparcial possível. Tentarei me abster de sentimentalismo, pois o problema maior neste momento é o senso comum. Com efeito, estamos atônitos com a notícia veiculada dias atrás pela mídia a respeito da violência sofrida pela atriz e modelo brasileira Luíza Brunet. Contudo, a violência contra a mulher nos parece ser algo recorrente no país; nesse sentido, Brunet se torna, a nosso ver, um estopim para se debater, talvez com mais intensidade, esse flagelo social. Será que a problemática da violência contra a mulher seria tratada com responsabilidade se o caso de Luíza não fosse noticiado? De quantas Luízas estamos falando? Qual o perfil sócio econômico dos agressores? Todos são cultos? Qual o valor do dinheiro? A cultura inibe a violência? Quanto custa um casamento? Existe amor ou apenas contratos sociais? É possível acreditar na justiça?

Ainda recentemente, pudemos acompanhar um crime cometido em comunidade periférica contra uma jovem de dezessete anos, salvo engano (omitirei o nome desta jovem para que possamos pensar nas diversas garotas expostas a crime contra vulnerável em território nacional). Essa menina foi estuprada por trinta e três homens, segundo a imprensa, os quais defino como monstros. Contudo, muitas foram as vozes a crucificar a jovem estuprada, dizia-se que era garota “fácil”, “que gostava da coisa” entre outros absurdos. Entretanto, as pessoas ignoravam, por exemplo, sua condição socioeconômica, o meio em que ela vive, bem como sua oportunidade, ou não, de acesso uma cultura de qualidade. Assim sendo, vale refletir a seguinte questão: Qual cultura seria de boa qualidade, a da elite ou a da periferia? (não faremos uma análise do gênero musical apreciado pela vítima, pois não cabe, por hora, na reflexão).

Não há duvidas quanto ao fato de que a violência sofrida tanto por Luíza quanto pela jovem seja algo que, a priori, atinge nossa dignidade, nossa humanidade. Não obstante, o caso de Luíza Brunet é de longe um evento visto como absurdo em quase todos os âmbitos da sociedade brasileira, afinal, uma mulher do porte de Brunet não pode ser vítima em hipótese alguma. Concordo ser Luíza uma vítima e o criminoso, em nossa opinião, deverá ser levado aos tribunais, tendo em vista sua agressividade e sentimento de pertença, relatados pela mídia. O homem não é dono da mulher, mas companheiro, ela não deveria ser vista com um pedaço de carne ou como um produto que se compra com valores vultosos (e, com isso, não queremos dizer que Luíza tenha se vendido), mas como um ser humano. Esse dado denota o caráter mesquinho do homem contemporâneo. Nesse ponto de nossa reflexão, convido o leitor a pensar a questão da hipocrisia, palavra que revela o grau de coisificação a que a mulher brasileira é exposta e a forma como é vista. Em nosso entendimento, o estupro da jovem carioca talvez não tivesse surtido o efeito que surtiu, se o vídeo não tivesse vazado nas redes sociais, desta forma o estupro coletivo no Rio de Janeiro seria apenas mais um sem provavelmente ser computado nas estatísticas da violência contra a mulher. Outro ponto que gostaríamos de levantar é: o valor de Luíza seria o mesmo da garota carioca e das milhares de Luízas deste Brasil desigual, corrupto e machista? Não. Luíza é rica, bonita, uma referência de beleza para os padrões impostos pela elite e pela burguesia; seria uma Barbie brasileira e singela. Enquanto as demais espalhadas pelo Brasil talvez sejam entendidas como ”mulher de malandro quanto mais apanha mais gosta”.

Por que no país do carnaval se relativiza tanto o SER MULHER? Talvez por conta de um machismo “velado”, principalmente nas camadas abastadas, muitas socialites talvez sofram caladas a violência perpetrada por seus algozes, por conta da “reputação e da conta bancária”. Em suma, ser mulher, no Brasil, é um desafio, uma luta contra tudo de mais nefasto que possa existir. Entretanto, talvez boa parte desse problema se deva a conivência de setores da sociedade como as igrejas por exemplo. Luíza foi agredida pelo ex-namorado, um homem rico, a priori culto, mas talvez educado para a prática da violência com aqueles e aquelas que mais lhe causem repulsa. A violência contra a mulher, contra o pobre, o negro e o homossexual é algo que vem do berço, para nossa infelicidade.

As Luízas, as Marias e as Flávias devem se unir para exigir das autoridades políticas eficazes contra as arbitrariedades cometidas por indivíduos que se veem no direito de agredi-las. Em suma, o silêncio das inocentes é parte daquilo que denominamos cultura de estupro e cultura de morte. A nosso ver, o país talvez tenha dado passos importantes no combate à violência doméstica a partir da lei Maria da Penha e dos avanços dos movimentos sociais, dentre eles o feminismo; contudo, muito precisa ser realizado se o desejo é um Brasil humano, igualitário e sem preconceito em todos os sentidos. Por fim, acreditamos ser a história humana um misto de sentimentos capazes de colocar o homem diante, às vezes, mais da morte que da vida. Com efeito, seria bom se fatos como o de Luíza não mais acontecessem, porém, neste exato momento em uma viela quase sem luz, numa rua ou casa próxima a sua, uma mulher está sendo violentada, estuprada ou morta e, provavelmente, você não tomará ciência, pelo simples fato de que a vítima, embora, atenda por Luíza não ter o glamour de um sobrenome como Brunet; essa vítima é apenas mais uma mulher na multidão, um rosto opaco e sem importância para grande mídia, para o reduto em que vive para você e pra mim, pois essa Luíza não é Brunet é da Silva.

BetoFilo
Enviado por BetoFilo em 04/07/2016
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