Uns poucos apontamentos acerca de Fernando Pessoa

“Quando passo um dia inteiro

Sem ver o meu amorzinho

Cobre-me um frio de janeiro

No junho do meu carinho”.

Quadrinha não datada, dedicada por Fernando Pessoa a Ophélia Queiróz.

(Supostamente escrita em 1920, posto que nesse ano, entre fevereiro e outubro, o poeta, então com 32 anos, trocou apaixonadas cartas de amor com Ophélia, provavelmente a única namorada que teve e que, por esse tempo, contava19 para 20 anos).

Não há conto que se conte sem que se lhe acrescente algo ou, como diz a sabedoria popular: quem conta um conto, aumenta um ponto.

Creio que de pouca gente se tenha escrito mais bobagens do que sobre Fernando Pessoa.

Não foi tido, em vida, sequer como bom poeta, quanto mais como gênio da literatura universal. E, no entanto, dos anos sessenta para cá, virou ícone mundialmente reconhecido, posto na mesma galeria de Shakespeare, Camões e Cervantes. Aliás, na minha modesta opinião, com todo merecimento.

Sem querer polemizar, lembraria que nem de Shakespeare, nem de Camões e tampouco de Cervantes foram cobradas ou levantadas suspeitas sobre sua saúde mental ou sua sexualidade, como se fez com o criador dos heterônimos.

Só para exemplificar, não faz muito tempo surgiu um livro – A vida sexual de Fernando Pessoa – obviamente amparado em textos literários, uma vez que já não há como, depois de tanto tempo decorrido, encontrar depoimentos que possam corroborar o quer que seja. Não é preciso muita esperteza para se perceber em que direção o título nos pretende impulsionar.

É bem possível que a única evidência aceitável é aquela que conta que em 1928 (minha falecida mãe tinha sete anos e estava entrando no grupo escolar!) Fernando Pessoa fez sua primeira e única incursão pelo terreno da propaganda escrevendo o ‘slogan’ da Coca-Cola que nesse ano estava sendo lançada em Portugal: “Primeiro estranha-se, depois entranha-se”. ‘Slogan’ que, apesar do sucesso de vendas, logo teve impedida sua veiculação sob a alegação de que denunciava a toxicidade do produto. Veja-se que ontem como hoje o estado se intromete onde não é chamado. Não se pode perder esta oportunidade de se dizer que não só as “cartas de amor são ridículas”, as interferências da censura estatal são mais ridículas ainda.