Cariocando - Crônicas de uma cidade

Olá. Pois é, vou inaugurar mais esse sub-título, pra ter mais uma vertente de textos pra escrever. Ando muito pela cidade do Rio de Janeiro e observo as pessoas, seus costumes e trejeitos. As vezes engraçado, as vezes trágico. Mas gosto de salientar sempre a beleza implícita das cousas. Nosso dia-a-dia é muito agitado e não temos o costume de perceber o 'belo' a nossa volta.

Não é só esteticamente que me refiro, mas a concepção do ato pura e simplesmente. Um gesto inocente, pragmático, as vezes até a própria ignorância é capaz de nos despertar um sentimento de admiração. Como quando uma criança faz alguma gaiatice que nos emociona.

Papo de metrô:

Como em toda metrópole populosa, os meios de transporte de massa, tem seus horários de picos e é nessas horas que encontramos os mais variados personagens. Simplesmente são pessoas que entram e saem das nossas vidas, interpretando algum papel que impomos a eles, sem ao menos os mesmos darem-se conta. Como da outra vez em que, ouvindo um comentário de dois amigos, acabei por tomar a frase do ilustre desconhecido e apliquei na minha vida. Acho impressionante a criatividade de certas pessoas, geralmente são as mulheres as mais faladeiras. Entram e saem de um assunto como quem vai ali beber um copo d'água. Nesse dia eu estava no metrô, indo pro trabalho, não costumo fixar minha atenção em nada específico, mas a conversa ao meu lado era tão contundente que acabava por tomar a atenção de todos ao redor. As duas moças falavam constantemente, sem parar, entravam em um assunto após ou outro incessantemente. As vezes me perdia em que ponto estava a conversa. As vezes eu achava que uma não estava ouvindo a outra. Mas, para meu espanto, as duas entendiam-se perfeitamente. Se bem me lembro, quando entrei na composição, as duas já estavam travando sua batalha verborrágica. Sem dar muita importância, arrumei uma posição confortável e firmei a minha postura (nota: nos horários de maior contingência, quando se entra no carro do metrô, a sua primeira posição será a forma definitiva do seu corpo até o desembarque):

... (moça 1)- Aí eu falei pra ele: 'Pô, você é muito enrolado'.

(moça 2) - Ele é legal, mas tem horas...

(m 1) - Pois é. No dia eu liguei pra ele. Aí ao invés de ele atender, desligou o rádio (deve ser o Nextel). Depois veio falar comigo, cheio de 'dedos'.

(m 2) - Falando nisso, já te contei que negaram a linha pra minha avó?

(m 1) - Não. Te disseram o porquê?

(m 2) - Não. Mas deve ser por causa da idade, só pode.

(m 1) - Eles são 'fodas'. Nem parecem que vão ficar velhos um dia.

(m 2) - Tambem acho uma injustiça, ela ia pagar direitinho, tem a pensão dela.

(m 1) - Minha mãe é que não esta bem.

(m 2) - É essa gripe?

(m 1) - Nem me fala, peguei tambem, fiquei arriada uma semana.

(m 2) - Pois é, eu tive de cancelar até uma noitada com o Silvio (nome fictício).

(m 1) - Pô, sacanagem. E vocês não remarcaram?

(m 2) - Ah, sei lá, ele é muito paradão.

(m 1) - Ih, então cai fora. Homem paradão é um 'saco'.

(m 2) - Pior que é. Já tive uma vez e me arrependi.

(m 1) - Você tem sorte, já percebeu antes do inevitável.

(m 2) - O cara parecia maneiro, caladão, na dele.

(m 1) - Esses são os piores. O ruim é ter que tomar iniciativa de tudo.

(moça 3) - Dissimulado, toma cuidado que deve ser casado.

Isso mesmo - uma terceira entrou no assunto, não sei se estavam juntas ou se era só uma ouvinte, assim como outros.

(m 2) - Não casado, não. Isso eu já sabia.

(m 3) - Adulto, sozinho, eu desconfio logo, se é solteiro tem alguma cousa errada, se é mentiroso ou é casado.

(m 1) - Isso é fácil de saber, é só marcar sábado à noite.

(m 3) - Tu viu o que aconteceu com a outra no jornal?

(m 2) - Menina faz tempo que não vejo jornal. Minha vida esta corrida.

(m 1) - E o curso, acaba quando?

(m 2) - Meados de julho, to precisando descansar.

(Repararam que a terceira ficou no vácuo?)

(m 3) - Marcou com um cara do trabalho e desapareceu, acho que mataram ela - Ela insistiu.

(m 2) - Cruz credo, nem me fala isso. Por isso que não vejo jornal, só tem tristeza.

(m 1) - E a Dilma falando. Ela fala engraçado.

(m 2) - Na Zorra (programa humorístico) que é engraçada. Maior dentão.

(m 1) - Ah, não acho graça. Chata pra caramba.

(m 2) - Pois é, mas nesse fim-de-semana é o que me resta.

(m 1) - Não vai sair?

(m 2) - Não, minha mãe falou que não vai dar pra ficar com meu filho.

(m 1) - Ele tá 'melhorzinho'?

(m 2) - Agora tá. O febrão passou.

(m 3) - Esse resfriado ta um andaço só. - a terceira comentou, mas encarando outra pessoa.

(homem 1) - Eu fiquei maus, uns dias. Peguei febre tambem, fui no médico mas ele me deu só um dia.

O malandro aproveitou a deixa e respondeu encarando uma das moças.

(m 2) - Ainda bem que tenho plano (de saúde), esses SUS são horríveis.

(h 1) - Pois eu tive que encarar uma fila grandona, pro médico nem olhar pra minha cara.

(m 3) - Dá vontade de esmurrar esses médicos...

(m 1) - Isso não tem jeito.

(homem 2) - E ta assim faz tempo.

Mais um no papo.

(m 2) - Nem falo mais nada, pego meu cartãozinho, dou uma ligada e vou na consulta.

(m 1) - Quanto você paga no plano?

(m 2) - Sei não, vem descontado no contra-cheque.

(h 1) - Ah, é plano da empresa. Pensei que era particular.

(m 2) - Particular? Hahahaha! Se eu tivesse grana pra pagar plano particular você acha que estaria aqui no metrô?

(m 3) - É mesmo, esses planos são muito caros.

(h 2) - No meu trabalho tambem tem plano, mas só pro funcionário.

(h 1) - E a família?

(h 2) - Muito caro pra manter.

(m 3) - No trabalho do meu marido tambem é assim, ele nem quis.

(m 1) - E o meu curso termina em julho tambem. - a moça do papo original retomou o rumo.

(m 2) - Peraí... - o celular da moça 2 tocou.

(h 2) - Você esta fazendo curso de quê? Um dos rapazes se dirigindo a moça 1.

(m 1) - Administração.

(h 2) - Eu tambem pago faculdade.

(m 1) - Tenho que fazer, senão perco oportunidades.

(h 2) - É, mas a gente fica sem tempo pra nada.

(m 1) - Dependendo a gente sempre arruma tempo.

(h 2) - Isso é verdade.

(m 2) - Era o Fabio.

- ela responde com a cabeça, era o 'Silvio'.

(m 1) - Menina e aí?

(m 2) - Disse que quando chegasse pra procurar ele. Quer falar comigo.

(m 1) - Não vai! Deixa ele ir atrás de você.

(m 2) - Mas ele é meu chefe, tenho que ir a ele.

(h 1) - Assédio. Isso dá processo.

(m 2) - Nada disso. Eu até gosto, hahahaha!

As meninas dão uma gargalhada conjunta. O metrô pára e abre as portas. O pessoal começa a esvaziar o carro.

Pensei comigo: ouvi sobre relações sociais, tratamento de idosos, telefonia, saúde, política, humorismo, curso superior e relações comerciais. Tirando as duas que já estavam no papo, aposto que os outros nem se conheciam. Essa interação é que faz o carioca ser um povo tão amistoso.

Até a próxima.

M P Cândido
Enviado por M P Cândido em 11/07/2016
Reeditado em 04/08/2016
Código do texto: T5694044
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