TORTAS

Cresci num templo sagrado regido por princípios, valores e normas. Educação e instrução extremamente rígidas que configuraram e moldaram a minha personalidade, mas desde cedo algo inquietava-me e, por vezes, incomodava-me.

Escola bíblica era um paraíso e a minha casa um autêntico inferno que nenhum ser lúcido adoraria habitar nela.

Finais de semana passava em casa dos meus pais, onde um pouco de tudo acontecia. O inferno era muito ardente, difícil sobreviver no meio de tamanha tempestade e barbaridades. Instruído a respeitar os pais mas penso que os meus professores se esqueceram de replicar a mensagem. Todo filho tem como referência o pai, ele é um espelho que reflecte princípios e valores. Supõe-se que devia ser assim.

Olhava para ele e só via um espelho quebrado, não me restava mais nada a não ser procurar referências fora de casa.

A minha mãe sempre me dizia: "filho vai estudar formar-se. Seja alguém, é a única riqueza que vais herdar dessa pobre velha", dizia ela com os lábios incandescidos de Mulala.

Do meu pai apenas embriaguez, insultos e algumas bofetadas. Tenho cicatrizes e marcas que revelam estes momentos. Ele bebia demais, dificilmente encontrava-o sóbrio. Era raro ver aquele corpo em equilíbrio. Vezes sem conta esquecia-se de pagar as propinas da minha escola e quando isso acontecia a minha tia margarida sacrificava suas poupanças e pagava para mim. Serei eternamente grato titia, jamais vou esquecer de ti... Um dia, embora sem datas, irei pagar-te cada metical investido.

Debaixo do fogo e cinzas, lá estava eu, a assistir sem poder de intervir igual a acompanhar um filme na televisão e sentir que o meu personagem predilecto vai cair numa armadilha tendo vontade de o avisar ou salvar, é o que acontecia justamente com minha mãe quando o meu pai perdia os tomates e a agredia até perder os sentidos. Neste ponto morto ele era forçado a parar porque o que mais excitava eram os gemidos de penúria da sua mulher. Pois... na altura nada podia fazer, infelizmente! Era muito menor, sem forças para derrubar o oponente que era o meu pai! lembro que uma vez não a matou por um triz... daquela vez que ela até no hospital parou. A santidade e o arrependimento do meu pai caíram por terra. Por medo de ser preso, o velho sequer foi ao hospital e o assunto ficava por arquivado. Jurava, sem embriaguez, que tinha apreendido com o último incidente que jamais iria regressar a rebentar as curvas da minha mãe mas não se confia em promessas de um dependente. Dito feito, meses depois o cinto do bom samaritano desceu bem depressa das calças do meu pai e sem pressa chicoteava a minha mãe. Diziam os vizinhos: quando ele perder o gosto pela bebida, vai parar de agredir a mulher. Enganavam-se, mesmo tendo parado de beber, a profecia não se cumpriu. E o episódio lembra-me aquela velha narrativa que após o alcance dos objectivos, as pessoas mudam... mas o presságio falhou novamente. Regressando ao adágio que afirma que as putas vendem a fruta por dinheiro para sobreviver , mas não é o que aconteceu com a vizinha ao lado que mesmo tendo acumulado riqueza com a putaria continuava agarrada a prostituição.

Dizem que devia abandonar todos os princípios assimilados no templo, alto lar, o problema esta convosco e não comigo e graças a Deus não podemos cometer os mesmos erros. As garinas do meu bairro sonham em me ter mas se esquecem que nossos valores não casam. Vivem dizendo que são mulheres de cinco estrelas mas se esquecem que já não são castas cansadas demais para o meu gosto, parece que fingem pertencer a juventude.

No altar da madrugada injectam substâncias inimigas do organismo e deliram ao ritmo do orgasmo intenso nos corredores deste bairro. A vida é sexo para as putas, não é lúcida para os drogados. A prostituta ganha a vida com a vagina, o médico com as doenças domesticadas inconstantes do paciente, o serralheiro com o ferro, o carpinteiro com a madeira, os burladores par perfeito dos ingénuos, os pastores com a bíblia, os corruptos com a corrupção, o cafetão com as prostitutas, poetas com poesia e cronistas com as crónicas.

Heróis nacionais com a excepção de Machel e Mondlane escasseiam aqui na pátria. Existem heróis autenticados pela história da quinta e sétima classes, vão ser sepultados onde eu e tu sabemos. Se me questionarem se gostaria de ser herói, bem que gostaria, mas ainda não tenho “tomates” suficientes para o efeito. Um grande amigo sempre diz: “actualmente é hora de adiar causas, conforme-se com a degradação do pais para o seu próprio bem se não quiser acabar morto, finja que esta tudo bem, engraxa o regime para o caraças, garanta a sobrevivência do seu estômago quando tiveres comido a vida nos dois sentidos ai pensas em abraçar e dirigir causas”. Confesso que só me farto de rir mas analisando com toda neutralidade axiológica, o miúdo tem razão.

A vida é um filme com todos capítulos bem ordenados no seu tempo e espaço, mas insistimos em abocanhar o bife com a boca desdentada. “Não seja conformista apenas amadureça os tomates para dirigir uma causa”.