ARRASTANDO OS OSSOS

Arrastando os ossos

Hoje é feriado, dia de São Pedro. Desde o inicio do mês que a cidade destila alegria. A musica continuada das toadas do bumba bois, a coreografia frenética dos Cacurriás e das quadrilhas e o tamborilar e rufar dos tambores de crioula tomam conta da cidade, transformando-a no maior arraial do País. As construções harmônicas das barracas de palha de palmeira, o multicolorido das fantasias, os balões, fogos a crepitar nos céus, dá-nos a impressão de que milhares de estrelas lhes foram acrescentadas.

Eu percorri os arraias de dia porque prefiro imagina-lo na noite. Afinal, é uma festa que nunca termina, assim como amores infindáveis que nascem nas vertentes de muitos poemas e inundam rios e riachos para depois chegar ao amor maior...

Enfadado por mais uma noite mal dormida, eu caminhei pelo que ainda resta de minha cidade e, para senti-la como parte integrante de mim e de minha alma, eu pisei com os pés descalços o calçamento secular das ruas, e senti invadir todo o meu ser de uma estranha energia revigorante que me transportou a uma época do passado em que vivi, e que se hoje fosse possível voltar, recomeçar, eu intitularia esse tempo de: “Planeta Felicidade” Aquela que foi uma época que ganhávamos e sempre tinha-se o que ganhar, até parecia um mundo pessoal, nos podíamos... Hoje, caminhamos devagar, arrastando os ossos de nossos antepassados, vertendo lagrimas de dor e saudade, e estamos sempre e continuamente perdendo parentes, amigos, perdendo a memoria, deixando no esquecimento adormecido e frio das lapides os nossos amores e, esperando... Aguardando o vaticínio final que nos leve ao encontro da, estrelas, dos planetas ultra dimensionais e sair, voar, esquivar dessa estrada marcada por muitas cruzes que ressoam do passado e bate-nos às portas do hoje, por algo que fizemos e não podíamos fazer, ou o que deixamos de fazer por puro egoísmo, desleixo ou mesmo por abandono daqueles que nunca pediram, mas que precisavam tocar os nossos corações ...

Mais tarde, vou tocar umas bombas para afugentar os fantasmas e soltar uns fogos e trazer a lembrança de um mundo grandioso e belo em que vivemos e que não existe mais, a não ser em cada um de nos que vive, sonha e que como eu, arrasta os ossos de nossos antepassados.

Airton Gondim Feitosa