Aos futuros homens de bem
Tão logo o guri entregou a nota com um peixe azul exposto, o senhor tratou logo de se apoderar da mesma e simplesmente emitir um obrigado. O leitor indagará o que mais faria o senil senão o obrigado.
Nada mais, ideia obsoleta! Arcaísmo! Vocábulo jurássico! Não seria preciso a condecoração da criança, nem tampouco a sua mumificação ou um busto à sua imagem, mas um abraço necessário seria. O afeto emanado pelo moleque ao levar ao idoso aquele dinheiro deveria ser retribuído com afeto, calor, carinho. No entanto, o guri não foi abraçado ou mesmo elogiado pelo fato de ser negro, estar malvestido, esfarrapado e estar a pedir todos os dias um trocado para sobreviver. Hoje ele vende balas, amanhã ele aparecerá com amendoins, sempre variando. Deixou a escola para ajudar no sustento da família. E quantas crianças vivem assim neste imenso Continente chamado de País?
O preconceito imerso na sociedade brasileira só se avolumou com o tempo. Histórias como esta são inúmeras e típicas de uma cultura germinada na opressão da colonização portuguesa, alimentada pela escravização do negro, pelo exagero de horas trabalhadas ao empregado, a submissão feminina, o menosprezo a determinadas profissões em detrimento doutras; enfim, o preconceito existe. E precisamos ir além desse senso comum, admitir que vivemos uma era em que a aversão ao outro tornou-se explícita, principalmente através das novas mídias.
Pensar diferente, ser de uma etnia distinta, pertencer a esta ou aquela religião são elementos suficientes para o ataque começar, as agruras serem cometidas e repassadas aos demais. O elo que se forma em nossa sociedade solidifica-se em função desta falta de atitude, de leis, que levem os opressores a pagarem pelos seus atos. E pequenas atitudes como a do garoto negro Filipe devem ser valorizadas, levadas aos plantões de jornais, as manchetes dos periódicos, à boca dos âncoras dos telejornais.
Que a imprensa não se abocanhe dos nutrientes mais gordurosos, tampouco nossos cidadãos não menospreze aos mais dignos atos pelo julgamento antecipado aos (futuros) homens de bem.