Jaqueline e o geladinho

-jaqueline, chupa ligeiro esse negócio!

E jaqueline continuava atrás do rapaz com seus passos saltitantes e leves. Divertia-se com o geladinho que derretia ao sol, virando suco.

Jaqueline não precisou ler A Arte de Amar de Erich Fromm, A Arte de Ser Feliz de Cecilia, nem uma poseia sequer de Affonso Romano de Santanna. Nem fez caso do groseeirão que a conduzia a algum lugar. Jaqueline apenas ia...

O cabelo cheio de tranças desformes. Uma mais grossa no alto da cabeça fazia a menina pender para um lado. Não usava farda. Usava short e camiseta, roupa de verão e sandália de dedo. Não tinha mais que dez anos, mas tinha ar de irreverência. Será que está na escola?

Não sei se sabe fazer contas, se tem brinquedos, livros de história, bonecas de pano, se tem amigas. Sei que mora perto. A inocência é vizinha da afeição. Sei também que não lhe importa o mundo adulto, as proibições, os aniquilamentos, as torrentes de cobrança e ira que nos impomos. Importava mais o geladinho virar suco, derreter, melar, saborear e não ligar. Não dar a mínima importância ao adulto brigão.

Que boms eria se quando a vida nos exigisse pressa e força soubessemos ainda reagir com a leveza e inocência de Jaqueline... Deixar o geladinho virar suco!

Na capa de uma revista uma foto flagrava o novo amor de Chico Buarque numa praia. Jaqueline nem ia ligar. Feliz do Chico. Mas eu também quero um amor novo. Quem não quer? Não um amor esperado e cobrado, até fotografado como o do Chico.... Queria um amor irreverente como jaqueline. Indiferente a indelicadezas. Leve e dançante como seus passos. Ainda que durasse o tempo de um geladinho se derreter. Faz calor. Chupei um picolé.

Salvador, março de 2005