BOTINAS...

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Somos umas lindas botinas pretas. Nascemos do couro de um boi lá do Piauí. Juntas conosco nasceram várias irmãs, cada uma com o seu número, sendo que a maior parte era do 38 a 42.

A maternidade onde nascemos era chamada de fábrica, e viemos ao mundo sempre aos pares. Assim é que andávamos juntas, aonde uma ia a outra ia também. No início, a nossa casa era uma caixa de papelão.

Por muitos dias moramos nela, até que após uma longa viagem, fomos morar com outras da família em uma casa toda cercada de vidro, chamada vitrine. Aí ficávamos à vista de todos que passavam em uma rua movimentada.Alguns paravam para nos olhar e quando agradavam de umas, estas eram levadas por eles,depois de uma operação que era chamada de compra.

Até que chegou o nosso dia da partida. Um senhor que morava no interior de Minas agradou de nós e nos levou para a sua casa em uma pequena cidade.

No primeiro dia em que saímos com ele fizemos o maior sucesso. Novinhas e brilhando, fomos com o nosso dono a uma linda igreja, onde havia muita gente. Ficamos conhecendo lindos sapatos,sandálias e chinelos. O nosso dono não parava, ora estava sentado, ora de pé e algumas vezes ajoelhado, o que muito nos cansavam. Ficamos sabendo que ele estava assistindo a uma missa, o que fazia todos os domingos. Na volta para casa éramos colocadas em um armário juntos com outros sapatos e chinelos.

Certo dia ficamos sabendo que iríamos com o dono para uma fazenda. Como sofremos! Andávamos pelos pomares, hortas, galinheiros, currais e vários outros lugares, sempre sujas de barro, poeira e estrumes de galinhas e vacas.

Na volta para a cidade éramos lavadas e guardadas com carinho.

Nas festas de casamentos, batizados e outras, quem iam eram os primos sapatos. Quando voltavam, com ar de superioridade nos relatavam todos os acontecimentos.

Em nossa cidade havia um festival que era chamado “Festa da cana”. Naquele mês de julho não se falava em outra coisa. Os primos sapatos já comentavam sobre a grande festa e nós, no nosso canto, morríamos de inveja. E foi assim que chegou o dia, com muito som no parque onde realizaria o festival. Tudo ia muito bem até que naquela tarde houve uma mudança no tempo e caiu uma grande chuva. Ao anoitecer melhorou, mas o parque ficou muito úmido, o que fez o nosso dono dizer:- “Hoje irei ao festival calçado com as minhas botinas,pois elas protegerão melhor os meus pés.” Ao ouvir isso saltamos de alegria, pois pela primeira vez iríamos à tão famosa festa.

Os nossos primos só ficaram resmungando.

Fomos, vimos e gostamos. Ouvimos lindas músicas, conhecemos vários sapatos,inclusive os que estavam com os seus donos Fernando e Carlos (pensamos até em paquerá-los...).Como sofriam estes sapatos, pois os dois estavam numa “calibrina” daquelas... e os pobres sapatos faziam de tudo para equilibrá-los.Deu até para provarmos um gole da cachaça,pois o Carlos deixou o caneco cair em cima de nós e assim pudemos degustar a tão badalada branquinha

calambauense. Na volta para casa tivemos que firmar o corpo do nosso dono que também já havia tomado algumas...

Quando chegamos, foi a vez de fazermos inveja aos primos sapatos, que com muita raiva, faziam de conta que não ouviam os nossos comentários...

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Murilo Vidigal Carneiro

Calambau /julho/2016

murilo de calambau
Enviado por murilo de calambau em 27/07/2016
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