"Essa não..."

Hoje algo diferente marcou o capítulo de minha vida. O que relatarei, a seguir, daria uma crônica das boas -- modéstia à parte, claro. O estudante que foi parece ter dado as mãos ao professor que me tornei. E eu gostaria, também por isso, de contar a ti, leitor(a), o que ocorreu.

Preparado(a)? Mesmo? Então, vambora.

– Professor, eu queria escrever um texto difícil, sabe? Um texto complicado sobre coisas do dia a dia, mas que não ocorre todo dia...

– Interessante. “Um texto difícil sobre coisas do dia a dia mas que não ocorrem todo dia”? O que exatamente você tem em mente? Algum assunto específico? Alguma situação sobre alguém? Um evento incomum? Sei lá, de repente as ideias podem surgir se você ler alguma coisa. Na Biblioteca da Escola há uma estante com livros sobre curiosidades. Alguns estão em prateleiras por assunto: ciências, esportes, arte...

– Então... Sabe o que é, Pro... Eu não sei dizer... Fico meio assim, sabe? É que...

– Diga. Não se acanhe. Estou aqui para te ouvir. Pode falar. Se quiser, claro.

– Olhe... É que eu... Hã... Eu achei um livro lá, hoje, pela manhã. Um livro diferente. Ele tinha a capa envelhecida, as páginas estavam pra lá de amareladas, e estaava escrito em idiomas diferentes. Um deles eu reconheci como Inglês.

– Sério? Continue. Porque agora você me deixou mais interessado ainda nessa história. Nesse relato, aliás.

– Então... Sabe que ele parecia ter uns duzentos anos por baixo? É... Mal eu o folheava, sentia um forte odor de mofo, poeira, sei lá, sabe? Algo desse tipo... Ainda bem que não tenho rinite alérgica. Ou estaria em crise até agora...

– Meu caso. Mas eu me arriscaria para ler esse livro aí. Fiquei pra lá de curiosos. Ainda mais sabendo que você teve contato direto com ele. Que identificou um dos idiomas em que foi publicado... – Sou interrompido por meu aluno.

– Pro, como assim “publicado” e não “escrito”? Como você pode ter tanta certeza disso? A menos que... – interrompo-o.

– Hummm... – olho-o meio sério, com os olhos semi-cerrados – Olhe só: suponho que você tenha tido contato com um livro antiquíssimo, sim, que se apresentou a ti em alguns idiomas diferentes. Entretanto, isso não significa que tenha sido escrito nos mesmos idiomas em que foi publicado. Primeiro pela trabalheira que isso poderia dar. Segundo... – sou interrompido por ele, novamente.

– Entendi, Pro. Faz sentido. A editora que o publicou talvez tenha achado por bem fazê-lo em mais de três idiomas, não? Para tentar atender a um número maior de pessoas.

– Bem, isso me parece algo justo. Ao menos me parece lógico. Sim.

– Vamos lá, Pro. Acho que deve estar na mesma estante em que eu o deixei. Guardadinho, atrás dos outros. Porque tive medo que alguém o pudesse pegar e... e aí já viu, né? Já pensou? Sem chance. Eu simplesmente fiquei parado naquela preciosidade.

– Meu filho, esse interesse por livros, ainda mais do tipo antigo, não é algo comum para alguém de sua idade. Fico bobo com isso. Só por causa dos outros idiomas?

– E também por conta das figuras, professor. Ele trazia mapas para uma passagem secreta abaixo da escola. Uma coleção de vias, de passagens subterrâneas. Com uma porta para cada uma das cinco paredes e... – interrompo-o de súbito.

– Um momento. Você disse “uma porta para cada uma das cinco paredes”? “Cinco paredes”? Isso... Isso não é normal. Isso não pode ser normal. É muito estranho, rapaz. E como é que você sabe que fica abaixo de nossa escola? Como chegou a essa conclusão?

– A construção acima da galeria subterrânea é idêntica à de nossa escola, Professor. Não tem como ser outro lugar. Ademais...

– “Ademais...”?

– Ademais, eu descobri uma passagem atrás daquela grande e pesada estante de madeira que, apesar de limpa, há anos não atrai a atenção de nenhum estudante. Vai ver, de ninguém. Limpam-na toda semana. No entanto, os livros estão sempre no mesmo lugar e posição, como se ninguém tivesse tocado eles. É estranho, Pro. Muito estranho mesmo.

– Humpf! Se é... Estranhíssimo. “Uma passagem atrás da estante de madeira...” Ei! Como você a descobriu?

– Ora, eu gosto de fuçar nas coisas. Gosto de bisbilhotar quando não tem ninguém por perto, sabe? Daí eu tirei um livro dela e vi o que me pareceu ser uma parte de uma porta. Bem discretamente guardada. E era uma porta. Não do tipo que nós conhecemos, com maçaneta, coisa e tal, mas...

– “Mas”?

– Mas que se abre quanto você tira algo específico do lugar. Nesse caso, um livro.

– QUÊ?! Tal como nos filmes antigos?

– Exato, Pro. Exato. “Tal e qual”, como o povo de antigamente diria. Só descobri isso tirando um livro “falso”, também de madeira.

– Um “livro de madeira”? Como pode?

– Também não entendi nem acreditei, mesmo tendo-o em mãos. Mas pelo seu peso e tamanho, bem pouco comuns, deduzi que não estaria ali para enfeite. Ele realmente teria uma função, sabe, Pro?

– Continue. Por favor, continue.

– Hah! Você está gostando dessa “história”, não? Eu sabia! E sabe que é tudo verdade isso? Então... Ao puxá-lo (não sem antes subir numa cadeira que encontrei por ali), notei que a tal “porta” se movia. De modo bastante discreto. Mas destacava-se da parede, Pro.

– E você chegou a entrar lá? Tentou abrir a tal da “porta” para ter acesso à passagem?

– Não. Fiquei com muito medo. Tive a forte impressão de que se aquele lugar está tão bem guardado, é melhor que assim permaneça por muito tempo. Eu até teria coragem de entrar lá, claro, mas em grupo. Coisa de cinco a dez pessoas. Com dois ou mais adultos.

– Faz sentido. Não sabemos o que pode haver por lá.