Que coisa!

Quando eu mudei para a casa da vó eu só pensava no que ficara para trás: nas tranqueiras que ainda restavam na casa antiga, nos papéis e desenhos que ainda não trouxera e principalmente na minha cachorra que lá ficava no intuito de guardar a casa até a sua venda.

Mas como o tempo rasga depressa a lentidão dos pensamentos, já se completava cinco meses de mudança e eu ainda organizava as coisas, as distribuindo bem no espaço a mim atribuído.

Foi numa manhã cinzenta que recebi a notícia que a casa antiga fora vendida e que nos apressássemos para tirar de lá tudo o que restava.

Nesse momento comecei a pensar com muita seriedade na Meli. Pequena Meli que gostava de ficar minhocando quando via a gente e latia para qualquer um que passasse nos arredores da casa. Na Meli que vi pela primeira vez com um laço de fita no pescoço, em cima de minha cama: um presente de aniversário.

O primeiro passo era convencer a vovó. E foi num almoço com todos presentes que, com muita sensibilidade, toquei no assunto. Fiz um belo discurso, delegando a Meli diversas funções puras de um cão de caça, de um cão de guarda, de um cão de dondoca - educado que só. Ela jamais seria capaz de cavoucar a terra do quintal ou quebrar vasos, não puxaria as roupas do varal e não faria sujeiras em qualquer lugar.

Quando vi que meu pai já se emocionava e vovó prestava muita atenção, comecei a falar nas condições atuais que ela vivia e nas possíveis e terríveis condições que ela ia viver caso não a trouxéssemos para viver conosco. E chorei. Papai chorou. Mas vovó, que não havia pronunciado uma palavra sequer, disse que não, ali não era lugar de cachorros. Decerto me bateu uma tristeza, mas que raios! Qual é o problema? Uma simples e pequena cadela!

Passada uma semana soube que finalmente, após muitas conversas, papai conseguira convencer a vovó.

E a Meli veio.

E ela cavoucou o quintal, quebrou um ou dois vasos, fez xixi no tapete da sala, no cio atraiu muitos cães perdidos para perto de casa e fez mais uma porção de artes que dariam total razão a vovó de odiá-la.

Mas o que vejo é um pouco diferente.

De manhã ela ganha "bom dia, meu amor!", sopinha de pão com leite, comida no almoço, uma almofada na sala só para ela, muita conversa e carinho.

Ás vezes vejo vovó conversando animadamente: é com ela.

E quando acordo e desço as escadas, ouço um caloroso bom dia, não, não é para mim, é para a Meli.

E é para a vovó que ela fica minhocando. É para vovó que ela faz festinha. É da vovó que ela gosta! E bem recíproco é esse sentimento.

Que coisa!

Laís Mussarra
Enviado por Laís Mussarra em 20/07/2007
Código do texto: T571979