Considerando o ofício

Ofereci-me ontem ao reexame de meus textos no Recanto, uma inspeção muito rasa. Refletindo a respeito e comparando textos velhos e recentes, não afirmo de qualquer maneira que escreva com enorme maestria, ou que tenha já atingido o cúmulo de perfeição na prática — minha idade explicita a inépcia que só se vence quando as rugas começam a vincar as faces e a voz ganha mais valor que o ouvido; meus dezoito sugerem, ainda, uma ambição presunçosa para os anos vindouros, quase nunca devotada à pertinente gravidade pelos leitores. De regresso ao que dizia: o que escrevi há dois, três anos, e que deixo à luz para o deleite dos olhos mais detratores, me causa hoje embaraço e, ao mesmo tempo, orgulho: é o vexame público e (pior!) voluntário de ter escrito tremendas palermices, ainda que fosse incônscio delas na época, e o gosto de as ter superado sobrepujando-as com meus produtos atuais. Estes, embora superiores, ainda estão aquém de um ideal que se me expõe intangivelmente, uma referência rumo a qual caminho, mas que ainda não me deu os meios de alcançá-la.

Tudo isso é para isto: escrever é ter ciência de si, trancar-se num casulo sensível às coisas da vida, mas um casulo. A maturação do escritor é quase estritamente particular. O escritor deve repelir os afagos convenientes dos colegas de ofício; na verdade, talvez deva repelir os próprios colegas de ofício. E esse radicalismo se justifica.

Nada é pior para o iniciante que os falsos elogios, que têm o único propósito de criar a circunstância para que seu emissor os receba, numa pérfida cordialidade, de volta. É a "panelinha".

Escusado será mencionar a qualidade do que escrevem, talvez por isso mesmo se valham uns dos outros como muleta que sustém, através da troca carinhos e doses elevadas de histeria, o ego que, sem loas, cai por terra.

Alheado desse meio, de forma alguma isso me soergue para além do ambicioso rapaz, que tem mais que ouvir a falar. Na verdade, se fosse noutros tempos, depositada a pena com que teria escrito esta prosa, que ora julgo genial (e uns dois ou três anos mudarão com certeza esse meu juízo), dobraria o papel e o legaria o escuro da gaveta; mas como se dispõe hoje dos recursos de exposição da burrice e da pretensão, ei-la aqui. Todavia, tenho ciência de meus passos errados pelo caminho certo, bem como aqueles não a tem de seus passos certos — mas muito certos! —, justos e exatos, confiantes e briosos, e deixando pegadas que o vento dispersa, seus passos certos pelo caminho errado.

Marcel Sepúlveda
Enviado por Marcel Sepúlveda em 09/08/2016
Reeditado em 25/02/2018
Código do texto: T5723705
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