A Gaiola dos Loucos

 
Ontem, caminhando por esta cidade onde nasci e vivi um quarto de minha existência, somando-se os diversos períodos intercalados de minha infância e juventude quando a deixei em busca de meu destino e logo depois retornei, ainda não sei bem porquê, com um misto de surpresa e, devo dizer, de apreensão, constatei um fato preocupante e que certamente muitos ainda não se antenaram – ESTÃO ROUBANDO NOSSOS LOUCOS!!!

Todas as cidades pequenas que se prezem têm os seus “excêntricos”, preferencialmente mansos e tagarelas mas com direito a que, quando instigados, chutem o pau da barraca e saiam por ai descarregando suas adrenalinas, com direito até mesmo a alguns palavrões e atirarem pedras em quem com eles se meteu. E Mimoso, que sempre reuniu dezenas deles, hoje se vê desguarnecida, creio que até mesmo por inveja de outras cidades circunvizinhas que estejam vindo aqui nas caladas das noites e seqüestrando-os, abduzindo-os e levando-os para longe, privando-nos de suas companhias.

Pode até ser também fruto de minha imaginação, desta vida monástica em que me enclausuro dentro de casa e poucas vezes vou à praça ou percorro as ruas da cidade e por isso não mais os vejo, mas esta situação está preocupante. Ou, de outra forma, por meus hábitos para alguns julgados também estranhos, eu tenha me tornado em mais um e, por me identificar com eles, já nem mesmo mais os reconheço como tal. Os que ora perambulam pelas ruas ou que se reúnem nos jardins da praça são simplesmente pinguços, cujo único propósito é beber em quantidade outro tipo de água, daquela que passarinho não bebe, assim excluídos da classificação original.

Durante muitos anos e até mesmo décadas, Mimoso foi um celeiro para eles, dando até para se constituir diversos times de futebol, tamanha era a quantidade dos que perambulavam pela ruas e que por vezes conseguíamos reunir para exaltarem suas performances. Em minhas pesquisas, cheguei a concluir que em decorrência da água de que dispúnhamos aqui, que tinha sabor mais palatável quando captada no alto do Bel Monte e que passou a ser captada na Santa Marta, devidamente misturada ao cocô das vacas do proprietário atual e agora adicionada às do rio Muqui do Sul pode ser a raiz do problema.

Mesmo que não devidamente comprovado e sem qualquer embasamento científico, por muito tempo implicou-se com nossa eterna rival, Muqui, alardeando que as águas de lá tinham poderes afrodisíacos inversos, tornando “gay” quem a bebesse, o que sempre contestei, pois sabia de sua procedência, no alto do morro do colégio fundado por Dirceu Cardoso, criando-se verdadeiras batalhas com brigas e discussões se se pedia em seus bares por água mineral, o que os muquienses tomavam como insulto. E éramos respondidos que as águas servidas em Mimoso tornavam-nos loucos, tal a quantidade de exemplares disponíveis.

E para piorar a situação, nestes tempos de seca e com nossas fontes praticamente exauridas. captando-se as águas no rio Muqui do Sul, estarão nos servindo o precioso líquido devidamente adicionado dos dejetos de lá, sabendo-se que o processamento químico não altera seu princípio, que nele está incluído de forma intrínseca.

Cogitei também de ser obra de algum Sãopedrense, talvez Gaiotti, Juracy Nogueira ou Maneca, eternos insatisfeitos com o roubo da prefeitura, cartórios, correios e banda de música nos anos trinta do século passado e que estariam elucubrando para retornar a sede para lá, começando pela transferência de nosso maior patrimônio, os loucos. Ou, quem sabe, o pessoal de Santo Antonio que sempre teve a pretensão de se apossar de Mimoso e iniciou esta desconstrução, de forma maquiavélica.

De um município em que abundavam Sabuco, Mané Loza, Puxa Vante, Calil Morreu, Bolão do Vasco, Nair, Dejair Avestruz – este o último a ser abduzido – Miguel, somente restou este remanescente, assim mesmo a cada dia mais pacato e comportado, o que nos dá uma certa tristeza, um resquício de saudade.

Mesmo que não sendo de nossa tradição mimosense preservar nada, a exemplo das outras cidades que pugnam para a manutenção de suas memórias, creio que, já que estamos em época de inicio de campanha eleitoral, que os candidatos à prefeitura incluam essa reivindicação em suas pautas de promessas, mesmo sabendo que jamais serão cumpridas, comprometendo-se a repatriá-los e mantê-los, a fim de que não percamos nossa eterna identidade e continuemos sendo a Gaiola dos Loucos, sendo que, se for o caso, até autorizo que me incluam nesse rol, pois, reconheço, sou um louco por tanto amar.
LHMignone
Enviado por LHMignone em 15/08/2016
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