Regras da vida

Sou professora de Português e de normas e chatice minhas contas são pagas mensalmente, boa parte delas, ainda. Não escolhi essa profissão, apenas entrei no barco, levantei os braços e confiei na correnteza - começar um texto com metáforas já mostra bem a que vim - e peço desculpas caso percebas algum "erro" gramatical, seja semântico, sintático ou ortográfico, pois hoje estou aqui mais para conversar com você. Se apenas um único diálogo mental for estabelecido, posso me alegrar com um objetivo alcançado. Vou fazer de conta que estou conversando com alguém numa mesa de bar, desses bares simples, de mesas velhas. Se não se importa, vou acender um cigarro...

Bom, a verdade é que sempre busquei viver respeitando regras, todas elas sabe: sociais, familiares, escolares... Até minhas lições de casa tinham de ser impecáveis, dignas de uma aluna com muito mais destreza do que eu. Quando criança, posso concluir que minha cabeça estava a alguns anos a mais de exigência. Eu não tinha a menor noção disso e o que eu ouvia sempre era incentivos a esta tal responsabilidade precoce.

Desculpe a fumaça, gosto de fumar, mais do que conversar, mas a união dos dois me levam bem longe...

Sabe, falando em regras, penso agora na relação dos meus pais. - se eles me pegam aqui fumando e tomando cerveja, conversando com um estranho, vão me encher o saco. Sim, sim, tenho 33 anos, mas vai lá explicar isso a eles. São regras. - Na semana passada minha mãe veio até a minha casa e recitou um poema épico de frustrações e lamentos, todos causados por nós, seus quatro filhos, que agora depois de crescidos resolveram assumir suas vidas, esquecendo deles. Sabe aquele barraco, aquele bate boca? Pois é... E sabe, ela tem razão. Nós quatro priorizamos nossas escolhas e todo o resto ficou em segundo plano. "Seus pais são resto?" Não! Claro que não. Mas a verdade é que algo saiu errado na nossa configuração mental. Não somos egoístas, nem maus. Apenas aconteceu. O diálogo foi se perdendo e fomos nos afastando. O que deveria ser uma regra, não é. Nem sempre recebemos o reconhecimento ou recompensa dos passos corretos e lineares.

E minha mãe está certa. Ela diz que não demos sorte na vida. Isso formou uma névoa pesada sobre a minha cabeça e na do meu companheiro também. Pesou porque nós dois temos nossas convenções já estabelecidas, bem como minha mãe.

Mas a questão, meu amigo, é: por que sou tão diferente dela? Por que não há diálogo na minha família? Por que não conversamos?

Olha, eu poderia bater o pé aqui defendendo que não sou assim, que eu converso - pelo menos aqui nessa mesa a conversa está rendendo, não é mesmo? Poço pedir mais uma?

Mas o fruto nunca cai longe da árvore, não é mesmo? Quando eu morava com eles, umas das regras básicas de convivência era "deixa o seu pai quieto, ele tá um azedume só hoje... tá lá sentado na calçada pensando no povo dele lá..." e assim tinha de ser. Nós quatro até sentíamos aquele mau humor, mas não doía tanto. Mas o que me dói hoje meu caro, foi não perceber o silêncio imposto pela minha mãe que o supria lavando, limpando, passando, cozinhando e cantando. Era o contraste de músicas tristes - hoje sei que são - com as que meu pai colocava pra tocar no som do carro. Meu pai cansado e reflexivo de um lado e minha mãe fazendo o trivial do outro. O fim de tudo é essa fórmula que deu certo, do jeito deles, deu sim, o que não justifica sermos assim. Juro que eu gostaria de aprender a conversar com meus irmãos... Juro, mas é como se fosse outro idioma, não dá!!!

Outro dia, o meu companheiro estava cansado, estressado. Ele também é professor. Eu o entendo. Deixei ele quieto lá, ouvindo as músicas dele. Peguei o bebê, acomodei-o no bebê conforto, como sempre. Fui fazer a janta. Ele jantou, mas eu não. De repente olhei pro meu filho, e pra tudo ao redor, exausta... Mas parece que é outro idioma sabe?

Na minha cabeça funciona assim: bebê em casa e cansaço caminham paralelamente, mas nunca podem se cruzar. É preciso aceitar que esta condição é superior a qualquer cansaço ou reflexão. Esta é uma regra minha! Acho que a tenho em outro idioma... Portanto, não é uma verdade, apenas assim convencionei por uma série de fatores sociais e psicológicos.

Enfim, o silêncio mata, mas também edifica. Hoje, meu amigo, posso pagar essa conta aqui, mascar um chiclete para disfarçar o hálito, subir a rua até a casa dos meus pais, tocar o interfone e dizer: mãe, me perdoe por tudo. Hoje te entendo!