Transposição do Velho Chico

Transposição do Velho Chico

Inicia-se a transposição do Velho Chico. Mãos à obra e vontades díspares apenas se observam umas, enquanto os outros constroem os largos canais que levarão a água do leito natural do rio – roubarão, melhor dizendo!

Após inúmeras palestras, tantas ferrenhas discussões, até panfletagens, foi mesmo concretizada a vontade política do governo Lula. A imposição fez-se verbo. Hoje, a transposição tomou a face da realidade, doa em quem doer!

Nem sei por que não clonaram o rio. Será que há verbas em Brasília para isso? Porque clonar qualquer coisa na capital deste país não é lá desacreditável. É terra onde, para se ter milagre não se necessita ter santos. A magia dos números e dos valores outros, é capaz até de fazer-se ver o inviso. Terra de mirabolantes acontecimentos.

Bem que poderia ter-nos chegado dela melhores notícias sobre a transposição do Chico. Sem dessassoreamento, o replantio de sua mata ciliar, o saneamento de suas cidades ribeirinhas e tantas outras coisas mais.

Espero que o governo Lula não desrespeite ainda mais o Nordeste, autorizando construir, em uma grande ilha desse rio, uma usina nuclear. É só o que nos falta ver.

E segue o gigante em berço esplêndido e em nem tão boas mãos. O Brasil todo pensou no Nordeste, quando se repensou a transposição do Velho Chico. O valor maior dessas discussões parece-me ter ficado com cabeças que sempre estiveram, antes, às margens do Chico.

Alagoas ficou mais uma vez de fora. Os ditos “benefícios” com essa transposição passarão “à margem do nosso Estado. E fico triste em saber que é justamente em Alagoas onde o rio finda para alimentar o oceano. Aqui em nossa terra, o Velho Chico encarna-se no mar, saudando-nos, antes de ir-se de vez. Não nos foi dado sequer o mínimo gole de água dessa transposição, a não ser o das lágrimas, as nossas de descontentamento, sede dos nossos corações, do que tivemos que suportar.

E, após tudo decidido, resta-nos esperar para ver o fim que se visa tornar-se realidade. O sonho acabou. A transposição do rio São Francisco é hoje, para todos nós, a insone realidade de uma desventura. O rio que gemia assoreado será sangrado em suas coronárias e, talvez, enfartado pela incompreensão de tantas almas sedentas por votos, continuando a claudicar rumo ao total abandono.

Saúdo a tua força magistral, ó Velho Chico. Beijo simbolicamente o teu leito silencioso que tanta história viu passar pos cima de si mesmo. Talvez, quem sabe um dia, os olhares tronchos de hoje vejam-te diferente e saibam e entendam que um grande rio é feito também por grandes homens e que nem tudo está perdido. Tua sede é a sede do povo nordestino que, viciado em ter uma liberdade abstrata, sabe como ninguém enxugar as lágrimas e engavetar os sonhos. Que dia ser-nos-á um novo sonho feito realidade? O gemido que tua dor provoca agora será mais audível. Passa, Velho Chico. O leito das Alagoas continuará sendo o leito do teu passeio rumo ao encantado deságüe, que fazes tão harmoniosamente em nosso mar, mesmo trazendo consigo a dor do descaso e do descuido de todo o teu trajeto. Saravá, grande rio, navegaremos por outros sonhos.