O MENINO QUE OUVIA HISTÓRIAS DE LOBOS

Mal completara um ano e Alvinho, como era chamado o pequeno Álvaro, já caminhava, ou melhor tropeçava entre um móvel e outro, deslocando-se pelo apartamento minúsculo. A mãe atenta a todos os seus movimentos, considerava cada metro andado, uma vitória; cada reerguer-se sozinho depois de mais um tombo, uma conquista e cada nova descoberta, um grande acontecimento. E assim enquanto, o pai encontrava-se em constantes viagens de trabalho, fortalecia-se o laço de união entre mãe e filho, sedimentava-se uma simbiose, fortalecendo e mantendo vivo o ainda existente cordão umbilical.

Com o crescimento do menino e nos momentos de folga aumentava a intimidade entre os dois. A mãe aproveitava esse tempo e lia historias para o filho. Os olhos azuis de Alvinho brilhavam e o pensamento corria na busca de lobos, e muitos outros animais ferozes, que parecendo saírem do livro infantil, iriam fazer parte de todo o imaginário do menino de seis anos.

Alvinho crescia e ampliavam-se seus horizontes, começando a ter pequenas conquistas fora do território familiar, seu lar. A tudo a mãe acompanhava, incentivando e aplaudindo atitudes e vitorias do agora adolescente, estudante e esportista.

O tempo passa de forma imperceptível, assim com também sem perceber vai-se aos poucos desfazendo-se o elo simbiótico entre mãe e filho. Novos valores são agregados, novos elementos reconhecidos, novas pessoas conhecidas e conquistadas.

Muito tempo passou. O celular toca. Maria Clara atende e reconhece do outro lado a voz do filho. Avaro, executivo com bem mais de trinta anos, avisa que hoje almoçará com a mãe. Cantarolando, Maria Clara prepara a refeição. Quando nesse momento, vem as lembranças de um passado distante. Lembra da época em que a solidão do apartamento pequeno unia-os e a cumplicidade os aproximava. Quando o preenchimento de sua vida, em grande parte, devia-se à dependência, às necessidades, aos gostos e fantasias do pequeno Álvaro, seu Alvinho.

Nessa hora, a mãe, entre nostálgica e contente, constata que o que lhe restou a fazer, além de muitas orações, é caprichar muito nesse almoço, pois a preocupação do filho com a sua família e com o mercado financeiro, substituiu totalmente os devaneios infantis do menino que ouvia histórias de lobos...

CEIÇA
Enviado por CEIÇA em 03/09/2016
Reeditado em 18/01/2017
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