Sua atenção, por favor!
 
     Não se sabe quem sente mais saudade. Se a filha em Toronto ou a mãe, aqui, atenta ao toque do celular, anunciando o encontro virtual.
     Certo é que, com as facilidades oferecidas pela internet, filha e mãe se falam e se veem diariamente, o que ameniza esse sentimento doído, quando duas pessoas se amam até a ponta das unhas. 
     Horários sagrados...
     Normalmente, são duas ligações diárias – uma durante o caminhar até o trabalho, pela manhã, e outra à tarde, na volta para casa.      Novidades de ambos os lados se transformando em assuntos passados e troca de imagens, a título de brincadeiras entre mãe e filha. Uma mostrando flocos de neve caindo suavemente, como pequenos pedaços de algodão, e o caminhar sobre neve-tapete; a outra, provocando “inveja” na filha, exibindo imagem do calçadão do Recreio, o mar verde, ondas esvaindo-se em espuma na areia, praia lotada sob sol forte, e o bailar das casuarinas ante a ação do vento de leste.
     Júlia Roberta é nossa querida neta de coração, filha da  empregada e do porteiro do prédio, nossos amigos. Dotada de extraordinária inteligência, tem clara percepção do quanto a amamos, eis que quase todas suas vontades são atendidas por nós — sim, somos  agentes desconstrutores de ensinamentos paternos mesmo. Dizem que deseducar é funcão de avós... (rs).  O que fica são os exemplos, tornam-se paradigmas,  não as recomendações...
     É difícil não atendê-la quando “exige” nossa atenção.
     Hoje, no momento sagrado da segunda ligação do dia, Júlia queria porque queria atenção da avó para lhe mostrar os presentes — elástico para rabo de cavalo, chiclete e esmalte  para unha —  que o avô havia comprado na farmácia, junto com ela.
     Começou, então, sua luta para manter o celular no ouvido, ao mesmo tempo em que tentava, através de gestos, convencer Júlia a aguardar o fim da conversa.
Debalde. Como dizem por aí que o brasileiro não desiste nunca,  Júlia segue à risca o dito, e continuou exigindo a atenção da avó.

     Diante do impasse, vó Arlete não teve alternativa: trancou-se no banheiro!
     Júlia, que não desiste nunca, fez o toc toc  tradicional na porta e, na mais grave voz que seus quatro e meio anos permitem, embasada em sua infantil pureza,  mandou esta:  “— Arlete! Abre a porta! É o vovô João!” (parecia a voz rouca das ruas... rs)
     E a porta se abriu, seguida de beijos e abraços nessa criança tão querida... 
     E quem não abriria?