DOAR-SE

Existe hoje em dia um discurso de que as pessoas devem buscar ser felizes. Devem fazer o que gostam, o que lhes dá prazer.

Concordo.

Mas existem coisas que às vezes precisam ser feitas, e que geralmente não são o que faz-porquê-gosta, não são necessariamente prazerosas, e não parecem estar na trilha da felicidade.

Cuidar de alguém, por exemplo. Poucas pessoas gostam. Pior ainda se for um idoso. Muita gente tem convicção de que não é possível que um sujeito em sã consciência tenha prazer em cuidar de um velho ou de uma velha. Ou é por dinheiro, no caso de cuidadores contratados para tal tarefa, ou porquê não tem outro jeito mesmo, caso por exemplo de filhos que cuidam de pais acometidos por alguma doença ou invalidez.

E cuidar de criança, então? Haja disposição! Já houve quem disse (ou escreveu): amo minha filha, mas odeio ser mãe. De fato, dizem que a pior dor é a do parto, mas o que vem depois do parto não deixa de ser, na maioria das vezes, tão sofrido quanto.

Mas existe um contra-ponto aí que precisa ser levado em conta.

Buscar ser feliz, fazer só o que gosta e o que dá prazer, é também olhar muito para o próprio umbigo.

As pessoas precisam também se colocar um pouco no lugar do outro.

E quando você foi bebê, criança: não foi bom que houve alguém olhando por você? Que te deu carinho, atenção, que se preocupou com o seu bem-estar? Se chegasse a noite e teus pais te trancassem no quarto e fossem pra balada, não teria sido terrível? E se na hora da fome não tivesse ninguém por perto? E se no frio ninguém viesse te cobrir ou te vestir?

Pense também em quando a sua juventude e o vigor do seu corpo finalmente forem embora. E se não tiver ninguém pra te amparar no caminho entre a poltrona (ou cama) e o banheiro? Quanto tempo você vai durar se ninguém for na farmácia buscar o(s) remédio(s) que você precisa tomar duas ou três vezes ao dia pra te manter vivo?

Aí alguém pode retrucar: depois de velho, eu vou querer viver pra quê? Mas pode ter certeza, meu caro: a gente jamais, em sã consciência, vai querer morrer. Mesmo depois de velho, o seu desejo será continuar vivendo. E contar com alguém pra ajudar nisso fará toda a diferença.

Portanto, vamos viver em busca da felicidade, claro! Vamos fazer o que gostamos, ter prazer no que fazemos e fazer com que em nossas vidas tenhamos mais amores do que dores. Mas não podemos deixar de lado o resto.

A vida nos exige algum compromisso. Existirão ocasiões em que precisaremos abrir mão da máxima envolvendo essa tal felicidade. Precisaremos enfrentar situações onde haverá dor e ranger de dentes.

Mesmo que pintem por aí que a vida deve ser um mar de rosas, ela não é. Mas também é preciso saber que isso não é o fim do mundo. Faz parte da vida. Essa é a realidade.

Nós vivemos em sociedade. Por isso, não dá pra viver só pra si mesmo. É preciso doar um pouco de si para aqueles que, mais dia menos dia, acabam precisando de nós.