Minhas longas carências

Maria Antônia Canavezi Scarpa

No começo eram pequenas frases, quase todas falando de uma ausência, ou uma sensível saudade, nem sempre muito explícitas, do que eu sentia tanta falta, que motivavam a apatia e choramingos pelos cantos. Quase sempre quis passar a imagem de uma mulher que vivia intensamente feliz, forte e atrevida, usando todos os subterfúgios que estivessem a mão, apenas para me contentar,mostrando ser uma fortaleza.

Assim eram as saídas audaciosas para os pequenos escrevinhados; que sem correção iam sendo dobrados ou guardados numa pasta de elástico, uma base de lixo, que ao meu ver jamais seriam reciclados, adormeciam ali tantos arrebóis, que amarelados poderiam se romper ao menor contato.

Para meus escritos não havia juiz impondo limites ou censuras, porque eu já havia dito uma vez, que papel aceita tudo, quando uma caneta delibera; então não haveriam preocupações de julgamento ou de dissonância , poderia usar e abusar da cacofonia, no meu melhor estilo.

O tempo meu algoz, foi passando e a pasta de elástico começou a se avolumar, num amontoado de lixo, que continuei achando que não seria reciclado; fui obrigada a procurar alternativas para guardar esse release, pois não eram mais, somente pequenas frases e sim ensaios de dissertações recheadas de meandros piegas e volúveis.

A escrita foi me tornando uma grande inventora de sonhos, com início, meio e fim, todos alinhavados ao meu bel prazer, deixando meu ego passivo e controlado; sendo assim não entrava em conflito com o lado brabo que eu poderia expor se fosse contrariada. Daí dar origem à textos melosos, nitidamente revelando uma baixa estima, que eu acabava sentindo dó, de mim mesma. Como se essa dor fosse percebida por alguém que rapidamente viesse me acalmar, colocando panos quentes na minha vã aflição. Mas nunca aconteceu nada, que fosse ao meu favor, contrariando assim todas as minhas expectativas.

Alienada, foi contando tudo das minhas carências, expondo as intimidades do meu âmago sem pudor algum, ao dar conhecimento dessas indolências; percebi minha fraqueza ao não conseguir dar um basta, porque havia sido tomada pelas negligentes necessidades que me dominavam tão fortemente e com elas minha altivez foi se tornando passiva e resignada. Era a realidade tomando forma e contexto, se sobrepondo nos argumentos que pensei serem, somente os meus, verdadeiros.

Não foi fácil admitir os fracassos que originaram os grandes erros, ainda mais fazendo reverência e aceitando o enquadramento sintagmático das minhas privações; crias que projetei, delineei, burilei, enfeitei, por tantos e longos anos, não percebendo que elas não eram leves como eu imaginava serem, minha costa de Atlas estava dorida, me transformei numa Titã estilizada.

Usar de métodos assim tem sido uma constante em minha vida, porque posso avolumar tudo em um grande calhamaço de segredos que em qualquer hora ou qualquer momento venha a subtrair sua importância, incinerando tudo, como se fosse isso a solução para apagar os meus engodos, aliviando o caos que originei, escrevendo tanto sobre as minhas verdades.

julho 2007

Tília Cheirosa
Enviado por Tília Cheirosa em 22/07/2007
Reeditado em 22/07/2007
Código do texto: T575355
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