Ai, que saudade me dá!


Sempre gostei de janelas. Abertas. Especialmente abertas para o que de melhor há no mundo. Fico horas na minha sala olhando pela janela sentada no meu sofá.

Por elas avisto aviões tão pequeninos, que de vez em quando brilham ao sol.
Avisto os pipas dos meninos enfeitando o céu. Vejo a correria deles em busca de outro que foi laçado ou que está caindo.Vejo os balões coloridos, lindos, embora perigosos indo para algum lugar diferente do nosso.A copa das árvores, solenes, que se movimentam ao vento fraco ou forte, as torres dos outros prédios, as antenas de televisão.Passarinhos! Eles passam voando por ela. Entram na sala, dizem algo que não entendo, talvez me cumprimente, não sei.

E o pensamento vai. Vai longe. Volta ao passado.

Vejo-me em uma sala de aula, terceira série, explanando sobre linhas, retas, inclinadas, convergentes, divergentes, paralelas. Estou com meus alunos olhando pela janela, observando o desenho das casas, as linhas da rua que saem da escola, as que vem para a escola. As calçadas formando linhas paralelas: retas a direita e à esquerda. Observamos os ângulos das casas. Com os braços desenhamos os retos, obtusos, agudos. E a criançada atenta. Gesticulando e, procurando na sala os ditos ângulos. Uma graça. Uma bênção.

Ouço até o riso de cada um deles. Os gritos de “Pro!” ( que eu odiava) Achei outro ângulo reto! Eu também! Eu achei um losango ali naquela casa, Pro.
Noutra aula, fomos observar os telhados das casas (deles, diga-se de passagem) Descobrimos os ângulos, os triângulos, os quadrados, os losangos. Descobriram os vértices, as faces das casas.

Depois no caderno, já sentados, os cálculos dos graus, a reprodução do que observaram. Desenhar as linhas que convergiam para a escola, quando vinham, divergiam de suas casas. O caminho contrário, quando voltavam.

Descobriram o ângulo reto em todos os cantos da sala, na mesinha, na janela, no relógio. Um quarto de hora. Descobriram o valor dos ângulos.
Quem via da rua, eu estava matando a aula. Mas era uma alegria, só. Depois dessa descontração vinha a concentração na matemática. A resolução de problemas. A concentração para redigir um conto de fadas naquele lugar ou uma fábula. Fazer o relatório da observação. Era absolutamente necessário o silêncio. A calma.

E pela janela também entrava todos os sons da vida: Fazíamos silêncio para ouvi-los. Havia música? Som de pássaro? Som de crianças brincando? Som de mãe brava? Som de propaganda? Dependendo era uma carta, um bilhete, uma fábula, um conto de fadas...

Quanta vida a janela me mostra! Quanta luz! E está fechada só a noite e olhe lá, e se está ventando muito forte, ou faz muito frio. A janela fechada impede de se ver a vida, de entrar ar novo, puro.

Ai! Que saudade me dá!
MVA
Enviado por MVA em 10/09/2016
Reeditado em 10/09/2016
Código do texto: T5756189
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