Das viagens que fiz na vida...

Guardo de cada uma delas um momento especial. Levo em mim de cada uma delas um aprendizado diferente. Com elas aprendi que sempre há um pouco de esperança na humanidade. Das viagens que fiz na vida...

Não, não são viagens para fora da cidade, do estado ou do país, são apenas viagens simples, aquelas do dia a dia. Aquelas viagens no coletivo em que vai o estudante, a doméstica, o velho, a criança, o universitário, o pai de família, a dona de casa. Pessoas simples e comuns, cada uma com sua vida, com suas preocupações, com seus problemas, com seus sonhos, com seus desejos. Muitas vezes, não se conhecem e nem sabem o que se passa com o vizinho de assento ali ao seu lado, mas, por algum motivo inexplicável, numa certa situação vejo essa indiferença e individualidade sendo deixadas de lado.

Vi certa vez, indo para a escola, um homem ter um ataque epiléptico. Percebi um alvoroço no ônibus e do nada as pessoas se afastando. Foi então que estava ali deitado no chão de um coletivo aquele homem, talvez num dia comum da sua vida, se debatendo, perdendo os sentidos, morrendo. Nesse momento vi a humanidade que ainda existe dentro de cada um, vi aquelas pessoas, que não sabiam quem era o desconhecido, se unirem na tentativa de salvar a vida dele e abrirem mão de chegarem pontualmente aos seus compromissos matinais, pedindo ao motorista que seguisse direto para o terminal, alguém já havia ligado para a emergência e uma ambulância estava a caminho de lá. Não sei se aquele homem sobreviveu, não sei que fim teve a história, mas sei que naquela viagem a esperança na bondade da humanidade renasceu em mim.

Outra vez, estava lendo um romance best-seller famoso entre os adolescentes. Parei um pouco a leitura e fiquei com ele fechado em mãos. Uma estudante, talvez nos seus 15 ou 16 anos, passou e reparou na capa do livro. Não sei bem explicar aquela conexão que houve entre nós duas, mas ela simplesmente olhou para mim e deu um sorriso. Naquele sorriso consegui ler seus pensamentos, é como se estivéssemos conversando telepaticamente. “Nossa, você também tá lendo esse livro? Estou e estou amando. É incrível, não é? É demais, uma história fantástica. Vou indo, depois falamos com mais calma sobre ele.” Não foi um simples sorriso, foi um encontro de duas leitoras que se identificaram e que, de alguma forma, se tornaram cúmplices sem nunca terem se visto ou conversado antes.

Num outro dia pela manhã, estava no ponto de ônibus, quando vi atravessando a rua duas senhoras bem parecidas uma com a outra, acho até que eram gêmeas. Uma segurando a mão da outra. Chegaram onde eu estava e já deram um sorriso. Bastante simpática as duas, mas a mais falante foi logo me perguntando se aquela linha passava em tal lugar, para onde elas estavam indo. Informei que ia e que talvez não demorasse. As duas ficaram lá, conversando e vez ou outra olhavam para mim e sorriam. Simplesmente não pude deixar de retribuir aqueles sorrisos tão sinceros. Poucos minutos e lá veio o ônibus dobrando a esquina, avisei a elas que era aquele, então, pude presenciar algo que valeu pelo meu dia inteiro, uma delas, a que tinha falado comigo antes, bateu palmas e vibrou tão intensamente, como uma criança, porque o ônibus estava chegando, que não pude deixar de sorrir e me emocionar. Quando desci do ônibus e agradeci ao motorista, ainda ouvi-a falar “tchau” e “bom dia” com aquele mesmo sorriso inocente.

Dessas e de muitas outras muitas viagens que fiz durante toda a minha vida, vi que ainda há esperança no homem, que ele, muitas vezes, parece ser um animal irracional, mas na essência da sua alma, ele é bom, ele tem uma alma boa. Nessa bagagem da vida, levo histórias e lições que poderei contar aos meus filhos e netos e poderei dizer a eles que, apesar de toda a maldade do mundo, ainda vale a pena acreditar na humanidade.

Asenate Brasil
Enviado por Asenate Brasil em 12/09/2016
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