FALANDO DE MIM E AGRADECENDO

FALANDO DE MIM E AGRADECENDO
Em certa época da minha vida, lá pelos dezesseis anos de idade,eu chorava muito,muito mesmo...Hoje eu conheço a fórmula química daquelas lágrimas:”lágrimas de poeta”.Sim porque grande parte dos poetas que conheço, adora chorar, e muitas vezes provocar as próprias lágrimas.Se eu soubesse disso naquela época,teria dito à minha zelosa mãe: “Sossega mãe, isso não é depressão, é poesia...”Mas não sabia e não disse.
Minha mãe , preocupada com tantas lágrimas e com tanta reclusão em um quarto sempre “Robertocalizado”(e olha que não sou da geração jovem guarda),juntou um dinheirinho e me mandou para uma consulta com um psicólogo(Ela era uma mulher que acreditava...).

No andar térreo do prédio onde o psicólogo trabalhava, tinha uma loja, “Dorian”(Avenida Sete).Não me contive ,passei lá , sentindo-me gente grande,com grana na mão.

A vitrine ostentava umas roupas “descoladas”, “despojadas”, bem ao meu estilo, meio “hippie”.Não pensei duas vezes, ou melhor pensei,mas ainda assim peguei o “dinheirinho” e comprei a tal roupa colorida e despojada.

Chegando em casa, como nunca fui de mentiras e até hoje não sou(Sou viciada em verdades),falei para minha mãe com todas as letras,acentos pingos nos is e fonemas: “Mãe, eu não preciso de terapia,eu estava precisando mesmo era de uma roupinha nova”Ela sempre sábia, aceitou , ao menos momentaneamente a minha versão, mesmo porque, eu gastava e pedia muito pouco dinheiro.Certa vez, eu quis uma bolsa da moda, “a tiracolo”: cortei uma “mini saia” jeans , amarrei um cordão para imitar uma , e fui ao cinema feliz da vida.

Alguns anos se passaram ...as minhas lágrimas não... Então, quando eu tinha uns dezoito anos ou dezenove anos e já me sustentava trabalhando numa repartição pública, voltei à tal da loja “Dorian”, da qual eu tinha ficado “freguesa”.Chegando lá não achei o que queria e pensei :”E se eu fosse até lá no segundo andar ,na sala do tal psicólogo? Como será que é uma terapia?(naquele tempo a psicologia não tinha se tornado tão popular e eu não tinha noção de como funcionava aquele “troço” de ficar sentada falando da própria vida..

Subi...dois lances de escada, e lá estava eu, no consultório de Dr.Antonio Rodrigues Soares.” A secretária dele , uma senhora sorridente de nome Raquel, (Não sei por que , mas acho que o nome dela devia ser com ch-Rachel) disse-me cheia de orgulho do seu empregador:”Ele tem muitos clientes, tem que ser com hora marcada”.

Mergulhada ,totalmente imersa, nos meus pensamentos, eu ignorei a frase de Rachel(com q ou com ch?), e fiquei ali parada dialogando com eles.Acho que fiquei assim por uns vintes minutos,na ante sala ,sob o olhar certamente perplexo da senhora sorridente, que então , puxando assunto pra “quebrar o gelo”, comentou o que sequer eu tinha notado, de tão “desligada” que estava:”O cliente do horário não veio, e seriam duas horas de sessão”.Eu não perdi muito tempo, “acordei” das minhas abstrações e falei:”Pede a ele pra me atender então”.Aquela foi a primeira sessão, de muitas outras, durante os três anos que fiz terapia com ele, e que posso dizer: nasci ali,e a poesia nasceu comigo! Que preciso dizer , mais do que já disse antes, desse profissional, que hoje mora lá no céu(expressão da criancinha que mora em mim, que lindo!!!),que Graças a ele hoje tenho motivos para acreditar...simplesmente crer, no que quer que seja...crer ... não ser uma pessoa descrente...

Hoje leio, que há uns poucos, talvez entre cinco e dez anos, a psicologia baseada na filosofia tem chegado ao Brasil, timidamente,mas tem.Algumas explosões da literatura denunciam esse movimento, tal como “Mais Platão e menos Prozac”(recomendo).

O que quero dizer meus amigos,é que desde aquela época ,há cerca de trinta e cinco anos(Eu sempre denunciando minha idade, parece castigo),esse profissional Dr.Antonio Rodrigues Soares já trabalhava comigo essencialmente com técnicas oriundas da filosofia.Se naquela época eu tivesse um pouco de noção sobre isso, certamente eu desafiadora como sempre fui, lhe teria dito:”Ei isso é a maiêutica socrática”e tantos outros princípios que hoje identifico.Bom..ali renasci, porque eu nem sabia que existia, quanto mais que precisava de terapia...

Outra história verdadeira e maravilhosa desse profissional que eu presenciei e acompanhei de perto foi a de um senhor , diagnosticado com doença de Parkinson, na época por cerca de dois anos.Eu sabia disso, pela senhora dele que o levava às sessões , ajudando com a cadeira de rodas, já que as pernas e os braços do “velhinho” tremiam muito e já não cumpriam suas funções.

Depois de um certo tempo , mudei o horário de minhas sessões em função dos meus horários estudantis e deixei de encontrar com o casal.Cerca de dois anos depois , tomei o maior susto ao sair do consultório: o “velhinho” entrava em pé,sem cadeiras de rodas, com movimentos normais ,”malhado” e bronzeado.Não me contive(deem o desconto da pouca idade) e comentei com a esposa dele:”Quase que não o reconheço..., que bom que ele se recuperou”.Ela então , cheia de vida, me respondeu:Ele não tinha doença de Parquison,foi diagnóstico errado. Assim que começou a terapia começou a melhorar,deixou os remédios; ele tinha bloqueios psicológicos, medo dissolvidos com a terapia, e hoje está assim...”

Pois é , isso nunca me saiu da cabeça, e assim sem mais nem menos , ou melhor com todos os mais que compõem a minha vida, resolvi nessa extensa crônica homenagear aquele profissional , tão inteligente, tão culto, tão responsável e adiante do seu tempo,mas de uma simplicidade encantadora, que me fez e me faz acreditar que tudo pode mudar SEMPRE.Acreditem comigo,tudo pode mudar SEMPRE.

PS:Nasci, renasci , mas as minhas lágrimas ninguém toma, são lágrimas de poeta, que hoje nem sempre têm tempo de escorrer e se guardam para momentos especiais...Os sorrisos e as gargalhadas também são bem vindos , muito bem vindos, e viva a inteireza
Conceição Castro
Enviado por Conceição Castro em 12/09/2016
Reeditado em 12/09/2016
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