Bola de fogo

E considerei este ser oval sendo retirado de sua casta, descascada e ralada na pedra, até perder a pele. Transformada numa massa escura, triturada e moída em lágrimas ardidas e vermelho feito cebola ralada, amassada sem dó nem piedade, untada de picante pasta malagueta a queimar-lhe o corpo, polvilhado de sal e afogado em rios de dendê escaldante, ser imperceptível a dor.
Eis que passou por temperatura quão elevada quanto às caldeiras da ante sala do inferno, para depois imergir num mar de lava e azeite, cascarrento, crestado com crustáceos descascados em seu dorso ainda em ebulição, para em seguida ser mutilado “ainda quente”, dilacerado, a ponto de sentir o fio da navalha cortar-lhe ao meio.
Só hoje descobri que todo esse processo é fundamental para se fazer este “bolinho” de feijão fradinho, com camarão, vatapá, caruru e sonhos, e principal atrativo do tabuleiro de Iansã, o Acarajé.
Essa iguaria da culinária afro-brasileira não existi apenas na Bahia, esta espalhado por todo o Brasil feito plágio gastronômico a ostentar o maná dos deuses, lamento que não façam uma “bola de fogo” quão saborosa quanto à baiana de Oxum.

Paulo Afonso – BA, 23 de janeiro de 2015.
Marcos Antônio Lima
Enviado por Marcos Antônio Lima em 14/09/2016
Reeditado em 15/09/2017
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