De trás pra frente

Tudo começou pelo fim.

Uma ruptura inexplicável, uma página teimosa que insistia em querer virar, um sabor pouco a pouco sem gosto, um intuitivo gesto para demonstrar o vazio que se sentava ao lado todos os dias.

Era preciso estar a sós para ouvir os próprios pensamentos, os quais vinham falar palavras de pouca ilusão e muita realidade – mas a realidade serve pra quê? Marina não mais sabia.

O sofá era, para ela, uma espécie de realidade. Uma forma simples de se deixar em si mesma, serena, e, sobretudo, com uma imensa vontade de silêncio. A realidade é desconfortável, nos deixando sem posição, mas nos acostumamos com ela mesmo assim.

A verdade é que Marina não precisava de mais nada na vida. Assim nos sentimos quando algo nos falta: completos. O vazio nos preenche de tal maneira que nada mais parece fazer sentido, pois nem mesmo nós fazemos sentido.

O celular tocou em sua frente. Era um número desconhecido, mas ela sabia quem era. Fábio não ligaria do próprio telefone no dia posterior ao término, e ele era previsível demais. Ela o conhecia como a si própria.

Então não atendeu as reiteradas chamadas. Estava ocupada demais organizando seus pensamentos para perder tempo com mais reflexões sobre como fora tola nos últimos anos. Sensível, inspirou profundamente, como em busca de elementos aéreos capazes de saciar suas perspectivas.

Repentinamente, ela sentiu sede, uma sensação bastante comum quando alguém passa por uma violenta ruptura. O corpo parece não carecer de alimento, mas, talvez por isso, clama por água, feito uma terra quebradiça sob o sol. Como Marina, agora de pé, estava em busca de uma chuva qualquer que viesse regar suas flores internas.

Tomando o caminho do corredor para a cozinha, parou na porta do banheiro, olhou-se no espelho e percebeu o quanto empalidecera durante as horas no sofá. Encheu a mão com água e, de uma só vez, lançou-a sobre o rosto – fria, rígida - juntamente com algumas tantas verdades: ela era alguém independentemente da existência de Fábio, e isso bastava.

Dentro dela estava a essência do seu borboletear, mas quem se sente na dependência do outro esquece que possui asas para voar.

Então o toque da água fria pareceu-lhe um sopro de identidade. Não fosse a solidão, Marina jamais se daria conta da necessidade de amar a si para, só assim, poder amar quem fosse. É preciso um fim para que floresça um recomeço - só depende de você.

*Texto publicado no dia 22 de setembro no caderno Dmais do Jornal O Diario Rj. Toda quinta, um novo texto.

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Ronaldo Junior
Enviado por Ronaldo Junior em 22/09/2016
Reeditado em 22/09/2016
Código do texto: T5769180
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