Atentados

Morremos e vivemos todos os dias, consumimos a morte dos outros, em pratos frios, densos, coloridos com sobremesa de sangue.

A caixa "mágica" é o nosso absurdo por nós criado e perpectuado. Que fazer? Reagir. Como?... Pelas palavras, pelo olhar não indiferente, pelo tacto elegante ou violento, pela fala tão desprezada, pela voz dos nossos corpos, tão maltratada.

De facto, "Não há poesia na morte", mas acredito na arte do poema que seja o trabalho árduo das palavras, um trabalho sendo prazer, dor e fingimento. A poesia não é o rosa, o branco, é o negro e o branco e as suas matizes actuando sobre nós próprios e os outros, tranformando-nos e revelando-nos continuamente.

Reajo a estes atentados, aos atentados do dia-a-dia sem folhas de árvores, ao betão das almas e dos corpos arrastando-se no vazio da morte; reajo a isso tudo e tudo o mais, exortando-vos a lerdes o que abaixo divulgo de Cesariny, para que Tanatos se vá, se desfaça.

Exortemo-nos porque, por muito que não queiram algumas bestas (que também somos nós, mais do que deveríamos não o ser), há corpos com sexo, olhos vendo e ouvidos ouvindo para que o grito da porca falange franquista, nazista, salazarista, democratística, não se repita, ou seja, todo o sexo, toda a vigilância do olhar, toda a ira da voz em cima do nauseabundo "Viva la muerte!".

Põe-me as mãos no sexo,

Beija-me na coxa,

Abre-me no plexo,

Uma ferida roxa.

Eu não sei porquê,

Meu dês d'onde venho,

Sou o ser que vê

Só seu tamanho.

Põe a tua mão

Num laço sem fim,

E chega ao desvão,

Abre-o para mim.

O Virgem Negra, Fernando Pessoa explicado às criancinhas naturais e estrangeiras por M. C. V. ... , Mário Cesariny, Assírio & Alvim

Aconselho vivamente este livro.

Os poemas aqui editados, isoladamente, não fazem justiça a Cesariny, pois apenas com a leitura integral da publicação se pode dimensionar o seu alcance. Foi editado por volta das comemorações do centenário do nascimento de Fernado Pessoa. Nele, Mário C., glosa alguns textos do poeta e seus heterónimos, de um modo paródico, por vezes delirante.

Li-o como uma reacção à comemorativite de F. Pessoa, que provocou algumas afirmações, tontas, exibicionistas e oportunistas de alguns escrivas, com o intuito, só pode ser, de se tornarem mais visíveis, pois de interesse nada têm; diziam eles "tanto Pessoa já enjoa". É sempre perigoso fazer afirmações dessas.

Este livro acaba por ser uma resposta positiva de alguém que não precisa, nem quer protagonismos cretinos e sabe escrever.

LEDE TODO O LIVRO!

E dizei-me alguma coisa.

PS - Desculpai-me a incorrecção da referência bibliográfica pois o meu espaço não permite uma formatação acertada, ou seja, itálicos e outras formatações.