Apólogo : O Computador e a Caneta


Um dia destes o computador travou uma conversa com a caneta. Ele estava esfuziante, pois era tido com imprescindível na atualidade, que conseguira desbancar a caneta e outros apetrechos de escrita. Dizia ele à pobre caneta esquecida ao lado dele:

_ Não tem jeito, não, querida. Está você com seus dias contados. Ninguém daqui a alguns anos se lembrará de você, desse seu jeito simplório de fazer as tarefas mais simples da escrita.

- Ah, vou ser lembrada, sim. Afinal tudo que existe até aqui foi obra minha e do meu antecessor o lápis. Nós escrevemos e marcamos muitas épocas que valem mais que ouro. Fizemos tanto bem à humanidade que é até impossível enumerá-las.

_ Que petulância, hem? Só porque escreveu alguns textos, fez algumas contas está se sentindo toda poderosa. Cuidado, a casa cai!


_ A casa cai pra qualquer um que for indigno de saber assimilar seu papel numa sociedade, o seu momento com a devida fidelidade e clareza.

- E que clareza, que fidelidade pode ter uma simples caneta? Um sim simples lápis, que a qualquer errinho deixam a marca no papel? Eu não. Se erro é só apertar uma tecla que o erro é apagado sem deixar marca alguma. Fica tudo como antes e aí é só escrever o certo no lugar. E pronto. Nem sombra do antigo erro.

- Cara amigo computador. Sua lógica é correta. Mas não esqueça que depois de escrito nada pode ser apagado mais. Veja as questões das mentiras que são divulgadas porque estão escritas em você. Tem o cunho da verdade, não é? E depois de divulgadas podem ser simplesmente apagadas como se não existissem?

-É. Mas existem leis que impedem que isso ocorra. E quando apagadas não ficam as marcas.

-Será que não ficam mesmo marcas das mentiras ditas, e escritas e confirmadas por você? Quando erro e apago, deixo marcas de que foi apagado algo escrito de forma errada e ou mentirosa. E todos sabem que ali estava algo que não devia estar. Portanto as marcas, que são chamadas de rasuras, são evidências claríssimas do erro que foi apagado antes de ser divulgado e que ninguém sabe qual seria. No seu caso, não computador. O erro é tão limpo que parece verdade. É preciso uma dose muito grande de conhecimento para saber a verdade. E aquele que não detém tanto conhecimento e que lê o que você escreve um incauto. Como fica?

- Ainda prefiro ser moderno atualizado a um ridículo lápis que deve ser apontado a cada página para que possa fazer a sua tarefa com o mínimo de limpeza. Para você agir é necessário ter à mão um bom apontador, ou gilete, uma boa borracha. E ainda assim, deixa a desejar.
A discussão ia longe quando uma moça elegante, bem vestida entrou no escritório. Escreveu algumas palavras no computador. e ia saindo quando voltou-se. Pegou a caneta e um bloco de notas colocou na bolsa e saiu. Nem disse até logo ao impávido computador.

Ele ficou quietinho ali, sozinho no seu canto e desejou do fundo da “alma” ser a caneta. Sair daquele marasmo, daquela apatia, daquela solidão. Ela iria voltar só à noite e escreveria até de madrugada. A caneta, sempre ao lado e desta vez a socorria para corrigir algo, uma frase, um pensamento. E ele era apenas o receptáculo. Nada mais.

Somos todo resultado do passado por mais modernos que queiramos ser.



 
MVA
Enviado por MVA em 30/09/2016
Reeditado em 30/09/2016
Código do texto: T5777340
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