Diário de Sonhos - #110: Seis da Manhã

Foram dois sonhos hoje. No primeiro eu estava sendo perseguido por alguma coisa. Precisava fugir por um corredor de uns dez metros à minha esquerda, subir uma escadaria pequena à direita e entrar numa sala com uma enorme piscina vazando no meio. Lá eu deveria me esconder da criatura que me perseguia e, assim que desse uma brecha, deveria passar por ela sem ser visto e fugir pelo caminho contrário ao que eu fiz. Assim que cheguei na metade do corredor lembrei que tinha que fugir com um bebê, pois o monstro queria o comer. Voltei à sala e peguei o bebê no exato momento em que o monstro virou. Por instinto pulei na parede onde me agarrei no varão da cortina. Não havia cortina pra me esconder. O monstro olhou para nós, mas não nos viu, mesmo estando a poucos metros de distância. É uma criatura branca, longa e fina, que muito lembra uma lagartixa cega. O bebê começa a chorar e ele nos encontra.

Estou no corredor de novo. Pego o bebê e corro até a sala da piscina. Agarro-me no varão da cortina com uma mão e abafo os choros do bebê com a outra. O monstro entra, mas não é mais a lagartixa, e sim um homem muito musculoso e branco como um cadáver. Lembra até o Frankenstein. Ele rosna e fareja o ar. Olha direto pra mim. Penso que com aquele tamanho todo ele não pode nos alcançar, mas estou errado. O monstro é ágil e pula um animal.

Estou no corredor novamente. Pego o bebê e corro até a sala da piscina. Dessa vez escondo o bebê dentro de um guarda-roupas e me agarro no varão da cortina. Dessa vez tem uma cortina pra eu me esconder. O monstro chega. Mas não é nem a lagartixa cega e nem o Frankenstein, e sim um enorme dinossauro carnívoro, tão grande que só sua cabeça e seu pescoço conseguem atravessar a porta. Ele fica rosnando e ameaçando, seus enormes dentes a menos de um metro de mim.

Outro sonho.

Sonhei que estava há três quarteirões daqui de casa, mais exatamente na frente da casa do Bruno e da Érica. Estava sentado no meio-fio fazendo não sei o quê. Estava pensando em alguma coisa e não conseguia me lembrar o quê. Era madrugada e pouquíssimos carros passavam sem fazer barulho nenhum. À minha esquerda ouço um homem falar ao celular. "Não cara, eu sei, tô ligado. Mas já são seis da manhã. Sim, tô. Tem só um gordão sentado aqui. Vou ver". O rapaz vem até mim. É um noia. "E aí mano, tá a fim de comprar um _________ ?". Nem espero ele terminar de falar. "Não, valeu cara, valeu. Tô suave. Valeu". Ele volta no celular. "O gordão não quer. E agora? Ah, peraí, tem uma mina vindo". É uma moça bonita e elegante, de blazer e minissaia. Ele também tenta vender droga pra ela. A moça está com medo. Eu também estou com medo. É quase como se eu pudesse ler os pensamentos dela. Ambos pensamos "que raios estou fazendo a essa hora na rua?!". O cara começa a assediar ela. "O que uma gatinha como você está fazendo a essa hora sozinha na rua?". Ela olha pra mim. Num relance rápido ela bola um plano. Diz que está indo encontrar seu namorado. Ela senta ao meu lado na sarjeta e me abraça. "Demorei muito amor?". Entendo o plano. "Um pouco, vamos logo pra casa querida". Mas não conseguimos levantar. O noia volta a assediar ela e zomba de mim. "Um gordão como você, até parece". Olho em volta e não vejo viva alma além de nós três. O noia decide nos deixar em paz e se vai. Olha pra direita e a madeireira já abriu. É dia. Parado no portão estão dois policiais da ROTA. De onde eles estão não conseguiram ver o que aconteceu. Tenho medo de falar alguma coisa e o noia nos machucar. Quando os policiais olham pra mim, fixo diretamente em seus olhos. Tento transmitir uma mensagem. Pisco sem parar. Eles prestam atenção. Aponto para o noia com o olhar. Eles entendem na hora e prendem o noia. O rapaz se debate, grita e xinga. "Ce tá fudido, gordão! Ce tá fudido!".

Agora estou na delegacia. Registro a queixa e o noia vai preso. Mas o noia conhece outros noias. Noias maiores e mais perigosos. O delegado é um cara de uns 45 anos, alto e de ombros largos, bem ajeitado na roupa social e de um humor completamente alheio aos outros. Não para de dar risadas. Comento com ele de que talvez os amigos do noia venham atrás de mim. Ele dá risada. "Mas é claro". E como eu moro na periferia, onde só tem noia, provavelmente eu vou morrer. Ele solta uma gargalhada estrondosa. "Obviamente". Estou triste. Estou marcado pra morrer. O delegado se oferece a me acompanhar até em casa. Vamos andando. Já é noite de novo. Estou nervoso e olho para os lados a todo instante. O delegado não se importa. Continua rindo e fazendo piada com o meu futuro. Ele começa a cantar, e no refrão fica me cutucando, como se disse "vai, canta comigo!". Canto também. Meu coração alivia um pouco. A tensão some. Mas quando chegamos na esquina de minha casa só ouço a minha voz. Paro. Silêncio. O delegado foi embora e me deixou sozinho. A tensão volta, o medo, o desespero. Não consigo parar de olhar para os lados. Na rua muitos carros, muitas motos, muitas bicicletas. Moleques maltrapilhos empinando suas bicicletas e tirando onda. Serão eles? Carros completamente negros andando vagarosamente, acompanhando meus passos. São estes, tenho certeza. Uma moto sobe acelerando na calçada, vindo em minha direção. Som de abelha raivosa, o farol me cega. Abro os olhos e já não há mais moto na calçada. Estão todos na rua, andando lentamente e me observando a todo instante. Decido não correr pois isso pode chamar a atenção deles, mas ando depressa. Ando o mais rápido que posso se parecer apavorado, mas nunca consigo chegar em casa.

São Paulo, dez de outubro de dois mil e dezesseis.

Renan Gonçalves Flores
Enviado por Renan Gonçalves Flores em 10/10/2016
Código do texto: T5787389
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