Autobiografia De Um Anonimo

Idade

Cada dia que passa, estou envelhecendo mais rápido, agradeço a Deus por chegar até aqui, mesmo com todos os trancos. Não sou a pessoa que desejaria ser quando chegasse nesta fase, mas não é tão ruim assim. Não me refiro ao meu corpo, diante do qual ás vezes me decepciona, frente a tantas rugas, os olhos meios distantes, vermelhos e tristes, as pelancas ao redor do pescoço, os cabeços escassos e esbranquiçados ao bumbum não tão durinho assim. Mas nunca trocaria os meus poucos amigos, minha vida, minha família mesmo com as suas divergências, e haja divergências, por cabelos menos grisalhos e/ou mais cabelos mesmo e uma barriguinha menos saliente.

Mudança

Estou tornando-me mais amável, mais accessível e menos crítico comigo mesmo e/ou com os outros, mais tolerante, é a verdade. Tornei-me o meu melhor amigo até pela escarces deles e por esta solidão insistente e chata. Não me arrependo por ter saboreado aquele docinho a mais, aquela cervejinha gelada e até pelo cigarro fumado por anos. Por não ter arrumado a minha cama ao acordar, ou por ter comprado aquele eletrônico que não precisava, que não acerto nem futucar, que nem uso com freqüência, está esquecido na minha estante. Na minha idade permite-me ser excêntrico, deixar algumas coisas fora de ordem, posso ser displicente, mais terei tempo para cuidar do meu jardim, das minhas plantas e das minhas borboletas.

Livre

Posso decidir ler de tudo desde a Playboy a As Historias do Super-Man ou ficar ao computador até tarde vendo mulher pelada... Acordar bem cedo só por acordar, não passo das sete. Serei meu próprio parceiro na dança, ao ritmo dos sucessos inesquecíveis dos anos 70, e se, ao mesmo tempo, eu queira chorar por um amor perdido, chorarei…posso fazê-lo sem constrangimento, sem receio das críticas, e o que me importa, o sofrimento é meu, a dor também é minha. Posso caminhar pela praia usando uma sunga colorida ou bem amarela, colada ao meu corpo, nem tão bonito assim e mergulharei no mar se assim desejar, apesar dos olhares críticos de algumas pessoas mais jovens. Elas também vão envelhecer, quem sabe? Conforme envelheço é mais fácil aceitar as coisas, sem muitas cobranças, sem réplicas. Nos preocupamos menos com o que os outros pensam.

Amigos

Às vezes começo a esquecer de algumas coisas de detalhes, onde aconteceu...enfim, recordo-me de coisas que ás vezes duvido que aconteceram e as dúvidas irão continuar eternamente, como quem tira-las? Parece que todos se foram. Testemunhei a partida precoce de muitos amigos e eles não puderam vivenciar plenamente a liberdade, implícita no envelhecer, do viver e do chegar até aqui. Sempre procurarei lembrar deles e dos nossos bons momentos, mas se os ruins teimarem em voltar a minha mente, o lembrarei como lição, como aprendizado, pois me deu sabedorias e experiências. Alguns amigos se foram muito cedo, se é que deveria ter um tempo, não deveria, gosto daqui pra caralho. Outros morreram antes de verem seus cabelos ficarem brancos, se perdendo fio a fio a cada escovada.

As Desilusões

Com o passar dos anos, também sofri desilusões e não foram poucas, desde as amorosas como dói esta porra até as profissionais, mais não vou enumera-las, dava para fazer uma novela mexicana. Me digam? Como não sentir a perda de uma pessoa amada, uma mãe, um pai, um amigo querido ou manter-se indiferente diante do choro ingênuo de uma criança quando seu bichinho de estimação se perde ou a sua boneca, quando seu braço foi arrancado.

Coração

Ter o meu coração ferido, o meu é cheio de cicatrizes e por vezes me deixei ferir, mas é o que me dá força, discernimento e compaixão. A sabedoria de ver as coisas mais simples dar o merecido valor. Um coração que nunca foi ferido, é duro, estéril...nunca sentirá a alegria depois do choro, não será solidário. Sou, portanto, abençoado por ter chegado até aqui e quero ir mais um pouco se Deus permitir, ver meus poucos cabelos grisalhos e ter as marcas de minha juventude para sempre gravadas nas rugas que se espalha pelo meu rosto já cansado e que jamais eu perca as minhas belas lembranças, pois ás vezes sobrevivo através delas, não sou egoísta, vocês também viverão.

Futuro

Temos o direito de estarmos errados, mas não julgadores, estamos ficando velho, esquecido nos asilos, caducando conosco mesmo. Mesmo assim, Estou gostando de ficar idoso, fazer o quê? Isto me libertou de certas criticas. Gosto da pessoa na qual estou me tornando, às vezes incompreendido por uns e elogiado por outros, é da vida. Mas por favor deixe-me tentar. Não vou viver para sempre, ninguém vai, mas enquanto ainda estiver por aqui, procurarei não desperdiçar o tempo restante rasgando lamento, olhando o que poderia ter sido, dos amores que deveria ter tido, nem me preocupando demasiadamente com o futuro, que me parece tão pequeno daqui onde estou. Posso ainda comer de algumas coisas que quiser, se estiver com vontade. Aliás, só de vez em quando, posso usufruir das delícias da vida, posso amar, mesmo sendo um amor platônico. Cheguei a terceira idade, triste, a minha criança adormece, ela esta bem distante agora, mas ela jamais irá embora, me deixar definitivamente, só quando eu fechar meus olhos.

Roberto Ornelas

Roberto Ornelas
Enviado por Roberto Ornelas em 13/10/2016
Reeditado em 28/10/2016
Código do texto: T5790715
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