14. Nossos Fundadores

O primeiro homem vivia em contato com os fantasmas, e assim foi com muitos outros que vieram depois dele. No abafar dos últimos raios solares, os fantasmas apareciam, revelando-se na negritude da imensurável abóboda celestial.

Lançaram, outrora, seu resplendor por longos caminhos e alcançaram a vista dos primeiros seres que se questionavam, moradores de uma partícula de pó imersa numa quase-inexistência.

Produziram nesses primevos homens as mais diversas fascinações e espantos – fundaram religiões, propagaram mapas, formaram culturas e mudaram o mundo. Os fantasmas são, em todos os sentidos, Nossos Fundadores.

Em suas agonias, derramam por todo o espaço as essências fundamentais da vida. Em seus reinados, suprem tais vidas com o que elas necessitam e fazem de uma infinitesimal centelha desta o que ela é.

E o que essa microscópica vitalidade fez dos fantasmas? O que filhos fazem dos pais? Dez filhos não fazem uma mãe, mas uma mãe faz dez filhos. Não é diferente quanto aos fantasmas. Em seu desenvolvimento, vagaroso e desordenado, essa espécie, ramo da Árvore da Vida, se enclausurou em seu próprio mundinho – pífia, tola, frágil.

Seus centros de organização mesquinha se opuseram ao lume dos fantasmas: lançou sua parca luz contra eles que, por de longe vigiarem, tiveram sua chancela cancelada por esses seres revoalucinados, humanos.

Há, contudo, aqueles nadadores natos que se jogam, sempre que necessário, contra a corrente da futilidade e triunfam sobre um oceano de dejetos chauvinistas e prepotentes – esses raros humanos são aqueles que se beneficiam de uma sabedoria única: a sabedoria transmitida de pais para filho, de fantasmas para sua criação, de fundadores para seu legado.