BESOURO.

Besouro

Vi o Besouro uma única vez. Conheci o dito cujo numa dessas esquinas da Lapa. Não lembro bem quem nos apresentou, acredito que tenha sido algum compositor ou um dos muitos malandros que ainda povoam nosso nostálgico bairro. Impossível esquecer aquele jeito escorregadio, repleto de ginga, de manhas, de mumunhas, malandro demais. De suas histórias de aventuras esdrúxulas, onde sempre exercia papel de mocinho, preconizando um final irremediavelmente feliz.

Tipo baixinho, robusto, elegante, vaidoso. Cabelos bem penteados, um cavanhaque fino, cuidadosamente desenhado. Trazia uma capanga à tiracolo repleta de documentos falsos, talões de cheques de terceiros, um pequeno paco de dinheiro, tudo isto fruto de inúmeros golpes aplicados nos desavisados que adentravam o seu famigerado território.

Falava incessantemente, ao mesmo tempo em que mexia com todas as mulheres passavam ao alcance de seus deselegantes galanteios. Falou-me, mastigando um sorriso prazeroso entre os lábios, sobre os

vários contos do vigário que aplicara já àquelas horas da manhã: de uma mulher na fila de um banco, o lacaio levara todo seu parco pagamento. Além das compras de um chefe de família que acabara de sair de um super mercado. Besouro contava suas histórias de ladroagem orgulhoso de suas espertezas e de como conseguira escapar sempre ileso, batendo suas pequenas asas sarcásticas e zombeteiras.

O curto espaço de tempo que passei a seu lado, me causara asco. Despedi-me recusando apertar sua mão estendida a esmo. Caminhava há alguns poucos metros quando o malfeitor gritou-me, perguntando mais uma vez naquele seu tom peculiar de zombaria:

– Maestro, sabe por que o besouro voa?

Estranhei aquela pergunta tão sem propósito disparada contra mim à queima roupa. Realmente o besouro não deveria voar, suas asas são pequenas, seu corpo é grande e pesado, sua rota é desconexa, um ziguezague extremamente atrapalhado. O malandro gritou sua resposta, mastigando seu velho sorriso entre os dentes:

– É porque ninguém disse que ele não poderia voar!

Horas mais tarde, neste mesmo dia, fui informado do assassinato de Besouro em uma das esquinas da Lapa.

Junto ao choque da notícia me veio a réplica para sua resposta:

– O vôo atrapalhado do besouro quase sempre resulta em sua morte.

Dudu Fagundes O Maestro Das Ruas
Enviado por Dudu Fagundes O Maestro Das Ruas em 22/10/2016
Reeditado em 22/10/2016
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