Batalha épica

SAINDO DE UMA festa de casamento, Eduardo pergunta à Martha:

- Você viu como ela estava deslumbrante? – Suspirou Eduardo, com olhos de peixe morto.

- Você deve ser apaixonadíssimo por ela. – Redarguiu Martha, acrescentando: - Sabia que quanto mais você fala de uma pessoa, mais você se apaixona por ela?

- Jura?

- Sim. – Sou estudante de psicologia, lembra? – Ironizou.

- Claro.

- Então não discuta comigo, senhor. – Respondeu com soberba conspícua.

- Você estuda para ser, ainda não é psicóloga. E não é necessário nenhum especialista para perceber como eu gosto dela, basta que se veja. – Replicou olhando-a com meio sorriso.

Ela o olhou com olhos semicerrados, corada de vergonha.

Desconversando, inquiriu:

- Então. ... Como você foi se apaixonar por ela, mesmo? – Disse enquanto contemplava o céu - adornado por estrelas - e passava a mão sobre o cabelo, arrumando a franja.

- Foi uma batalha épica. – Respondeu enquanto acendia um cigarro que carregava no bolso da calça.

- Como?

- Foi uma batalha épica, teve até trilha sonora.

- Trilha sonora!? – Exclamou perguntando indignada.

- “Eye of the tiger”.

- Conte-me esta história! – Articulou fitando-o com a boca aberta em forma de “O”.

Eduardo, então, iniciou a fantasiosa história:

- Lembro-me de estar num grande espaço fechado e abafado, onde havia uma plateia cheia de expectativas e, no entanto, desguarnecido de pessoas. – O espaço era amplo, rodeado por cadeiras. E no meio havia um ringue – destes que vemos em lutas de box, - iluminado à meia luz.

De um lado, o corajoso coração: já com marcas deixadas, não por ocasião da história e sim por pessoas que passaram por ele e não o valorizaram. Ele possuía ferimentos que ensejavam uma dor inominável só de ver, conquanto, estava lá bem-disposto a enfrentar o embate que iria se iniciar dentro de instantes.

Do outro lado, um cupido – pequeno, alado e inocente. - Munido de arco e flecha. - Sem nenhuma nódoa, era um ser imaculado, com um sorriso paradoxalmente maldoso naquele seu rosto angelical, ostentava modos de vencedor e ar de superioridade axiomaticamente notáveis.

Entre os dois, na qualidade de juiz, estava o cérebro. Impassível, imbuído de frieza ímpar. Parecia não se alterar, a demonstrabilidade de quaisquer sentimentos era inexequível embora o clima fosse tenso.

E na plateia: eu. - Único.- Naquele momento, uma profusão de incontáveis sentimentos me invadia. - Gerando uma sensação inenarrável. - Expectativa, medo e esperança não só se confundiam, como pareciam ser um só sentimento.

Quando o juiz explanou as regras e Coração e Cupido se cumprimentaram, subitamente senti um calor invadir o ambiente.

O confronto começou em rigorosa consonância com a canção “Eye of the tiger”.

O Coração lutava bravamente contra as ciladas mefistofélicas que o Cupido arranjava para ele, não na tentativa de atacar o cupido, e sim, de se defender. Todavia, o Cupido era inteligente, e fez com que o coração se frustrasse com suas tentativas falhas de se defender, desferindo dezenas de golpes não concatenados – ele só gastava energia debalde.

O embate durou incríveis três meses. Neste meio tempo, o fígado vinha prestar auxílio ao coração, colocando gelo em seus machucados e orientando-o com novas estratégias de defesa e, eventualmente, ataque.

Entretanto, ao final do vigésimo nono dia do segundo mês, o coração recuou dois passos. E cortou o ar com ambas as mãos de forma amiúde. – Os ataques repetitivos e covardes do Cupido cessaram, e o Juiz os observava com admirável atenção. O silêncio era ensurdecedor, de forma que se tornava possível escutar as gotas de suor que escorriam de minha fronte tilintarem ao tocar o chão.

A calmaria se prolongou pelos trinta segundos mais longos de minha vida, os mais aterrorizadores, até que o coração desfalecido caiu abruptamente no chão, rompendo com o remanso do ambiente.

O cérebro tomou um passo à frente.

- Loser! - Disse apontando para o coração, enquanto olhava para mim e meneava a cabeça. Com a mão esquerda levantou a destra do Cupido.

Ele então, embebeu a ponta da flecha num liquido vermelho, mirou no coração desfalecido e o acertou. Após fazê-lo, abaixou seu arco vagarosamente e olhou para mim e para o fígado - que estava ao meu lado direito, já um pouco cirrótico,- sorrindo com incondicional imperatividade.

Revoltei-me e pulei, apontando para o maldito Cupido, exclamando desolado, melancólico e consternado:

- Seu MI-SE-RÁ-VEL! – Disse separando as sílabas, enquanto secava as lágrimas que vertiam de meus olhos.

E embora eu o afrontasse e praguejasse, ele permanecia dono de um humor imutável. E de forma altiva, zombava de mim sem, no entanto, dizer uma só palavra, bastava seu olhar de profundidade quilométrica, regozijando-se com o júbilo de ter sido coroado com a glória presente. Seu sorriso e seus modos ostentavam orgulho e sua existência fora encimada de certo encanto: Uma expressa sumptuosidade esplendorosa de emoções. - O brilho que dele provinha, aturdia minha visão e, ao mesmo tempo, me deslumbrava. - Uma resplandecência inimitável.

E então ele simplesmente, e de forma inexplicável se volatilizou – esvaindo-se no ambiente. - E ante minha vergonhosa derrota, saí daquele meio de cabeça baixa ao som de “Still falling for you”.

E esta é a história de minha paixão.

- Uau! – Tornou estupefata.

- Isto é o amor.

- Chega de forma misteriosa, não sabemos de onde ele vem, nem para onde ele vai.

- Só sabemos que ele está lá quando o sentimos.

- Exato. Mas o que é o amor?

-É querer estar preso por vontade; / É servir a quem vence, o vencedor; /É ter com quem nos mata, lealdade. – Já dirá Camões.

- Versos perfeitos. Eternos.

- Sim. Austeramente pariforme ao amor: perfeito e eterno.- Concluiu categórico.

Matheus Hipólito
Enviado por Matheus Hipólito em 22/10/2016
Reeditado em 22/10/2016
Código do texto: T5799350
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