Barafunda Ambiental
Thales de Athayde
Dr. Beraldo era um ambientalista extremamente radical. Tudo o que estivesse ecologicamente incorreto o irritava a tal ponto de intervir pessoalmente contra o causador do problema.
Vivia às turras com fábricas poluentes, com os desmatadores e extratores de madeira ilegais. Chegou a criar uma ONG e através dela importunava todos os “criminosos ambientais”.
Filho único, foi criado pela avó materna após perder os pais num acidente automobilístico quando tinha a idade de seis anos. Estudou em um colégio de padres e recebeu educação rígida e exemplar. Formou-se advogado. Era doutor e mestre em Direito Ambiental.
Era um imediatista: tomava decisões próprias intervindo em todos os assuntos do meio ambiente sempre que este fosse ameaçado.
Estava sempre na mídia: se o tema fosse meio ambiente o seu nome era lembrado. Dava constantes entrevistas a jornais, rádios, TVs e revistas especializadas de ecologia.
Era defensor da idéia de que uma espécie ameaçada de extinção, vegetal ou animal, era digna de maior proteção do que a espécie humana.
Todos os políticos que prometiam elaborar projetos e leis que defendessem o meio ambiente eram cobrados publicamente se não cumprissem.
Em seu sítio, tudo estava ecologicamente correto. Nada agredia a vegetação nativa e animais silvestres. Não usava adubos químicos nem pulverizava defensivos agrícolas se isto prejudicasse o meio ambiente.
Certa vez foi a um congresso sobre ecologia em Cuiabá, no Mato Grosso, e no retorno sobrevoava o pantanal quando ocorreu pane no único motor da aeronave. O piloto, desesperado para encontrar um local onde pudesse fazer um pouso forçado mas seguro ouviu do ambientalista a ordem de pousar onde não danificasse árvores, nem nascentes ou cursos de água. Mas foi impossível: o avião pousou sobre a copa de um jequitibá rosa milenar. A árvore ficou parcialmente destruída, vários galhos quebraram-se e a aeronave despencou no chão da floresta. Junto à galhada jaziam três filhotes de arara azul mortos no acidente. O ninho se localizava no tronco que foi quebrado com o impacto da aeronave.
Felizmente nenhum dos dois morreu. Apenas o Dr. Beraldo sofreu escoriações pelo corpo e torção na coluna. Nada mais grave.
Ao ver os filhotes da ave mortos, ele os tomou nas mãos e ficou um bom tempo lamentando o fato e olhando a árvore sem preocupar-se com o estado de saúde do piloto.
Nesse momento surgiu ali Jeremias, descalço, camisa velha e calça remendada. Morava sozinho nas proximidades onde ocorreu o acidente:
- Ocêis carece de ajuda? Vamo lá em casa móde nóis proseá devéra! Jeremias conduziu o piloto e o ambientalista até sua cabana de troncos, através de uma picada e de uma passagem por uma pinguela. Depois limpou e fez curativos com ervas e banha de peixe-boi nos ferimentos do Dr. Beraldo.
O Dr. Beraldo ao examinar a cabana percebeu dependuradas numa das paredes uma pele de capivara ao lado de uma de jaguatirica. A um canto, viu uma tarrafa e, ao lado, uma cartucheira e alguns cartuchos deflagrados. No fogão à lenha havia um tatu assado sobre brasas na própria carapaça. Num poleiro, uma arara vermelha com as penas das asas cortadas fazia uma algazarra e no beiral do telhado uma gaiola era o cativeiro de dois canários-da-terra. Sobre a gaiola havia um alçapão armado. Indo ao quintal encontrou algumas arapucas e um bodoque. Num jirau viu um bico de tucano, um crânio de anta, uma pele de jacaré, uma pele de sucuri e guizos retirados de várias cascavéis.
Jeremias, bom falador, todo empolgado, contava como caçou cada um daqueles bichos e aves. O Dr. Beraldo conteve-se até onde pôde e não suportando mais aquilo, berrou:
- Cheeeegaaaa! Isso é um crime!!!
- Ué, sô! – admirou-se Jeremias – Tá di paricê qui vóismicê carece de pacença! Vem cá móde eu lhi mostrá a tuia cuberta cum teiado feito cum as casca dos tatupeba...