25. Nosce te ipsum

Nosce te ipsum – Conhece-te a ti mesmo: esse é um dos pilares de uma vida digna de ser revivida mil vezes. Por muito tempo assim pensei, até que, um certo dia, ao olhar para trás, nas raras ocasiões em que o faço, observei largas pegadas de lama que deixei ao longo dos corredores de meu castelo – fui agraciado pela dúvida com uma nova interrogação.

Certas faculdades, possibilidades, são sensíveis e, por isso, sucumbem ao mero toque; no ato de caminhar pelo meu próprio castelo perdi, muitas vezes, o pudor que se faz necessário nessa árdua tarefa – toquei demais, julguei demais – e, assim, polui o interior desse imponente e entenebrecido castelo.

Retidão no julgamento: foi-me, diversas vezes, recomendada tal faculdade. Pathos nas atitudes, por outro lado, tem a sua porta marcada com um grande aviso de perigo: é aconselhável ser parcimonioso no uso. Ambas as faculdades seguem caminhos opostos e se apegar a uma ou a outra pode significar tanto a catástrofe do apequenar-se diante de si quanto a grandeza de ser, potencialmente, toda a extensão de seu próprio castelo, ser múltiplo.

O pudor é o que brota do equilíbrio desses dois opostos: e o mais belo olhar sobre a vida está a meia altura, não no solo, não nas nuvens – Frederico sussurrou para mim. Armado com o pudor, tem-se a sensibilidade necessária para andar pelo seu próprio castelo sem macular sua estrutura, julga-se vagarosamente e com a dose certa de paixão.

A mais alta forma de pudor é expressa na defesa de possibilidades ao invés de posições. O despudorado é aquele que lança afirmações sem fazer as considerações necessárias, o despudorado é constantemente um doente apaixonado por pontos finais e que sente repulsa por interrogações. Quando em seu castelo, esse ser deixa portas escancaradas, inutiliza outras tantas e expele, como acabei por fazer, um rastro de sujeira em todo corredor por onde passa.

No caso desse indivíduo, o “conhece-te a ti mesmo” pode ser uma fórmula para sua própria deformação, pois, sem o pudor, opera, aqui, no ramo do autoconhecimento, algo similar ao princípio da incerteza da mecânica quântica: não é possível conhecer a si mesmo sob certos ângulos sem, ao mesmo tempo, perder a capacidade de conhecer a si mesmo sob outros tantos possíveis, milhares, de ângulos.

Friso: perder a si mesmo, saindo da trilha formada por essas pegadas, pode ser, por muitas vezes, a melhor forma de se encontrar, pois, em palavras drumondianas, bater em portas erradas costuma resultar em descobertas.

Relanço a pergunta: queres ser uno, ou queres ser múltiplo?