26. Diluição

Meu espírito jaz, por aqui, flutuando, num mar de possibilidades; admiro a leveza desse líquido que me circunda e a luz que parte do céu ofusca todos os preconceitos que um dia eu já tive – que não deixo de ter, por obra da realidade.

Parado, admiro a multiplicidade de espelhos d’água que refletem tantas partes de mim quantos eu existem – mas será que existe um eu? A diluição do eu é uma possibilidade? É um passo dado além do rio? É uma capacidade?

E que grande experiência é sentir sumir dentro de si quaisquer paredes psicológicas do eu: é esse o fundamento da espiritualidade? A morte do ego? O desprendimento de si mesmo não é o bastante, Foucault – é preciso ir além do rio; é preciso que, após o desate, o eu desapareça, mesmo que por alguns segundos.

Sentir-se outro, navegar em outras águas; que benesse, que violência deliciosa essa de evaporar o ego, quanto conhecimento reside aqui do outro lado dessa cortina que todos mantém firmemente presas às hastes do comum, quanto conhecimento guarda em sua história a garota dinamarquesa.

E que estupefação toma conta de minha líquida existência quando, ao olhar para baixo, vejo o recipiente de meu ego que deixei em minha casa – ele descansa, inerte, ostentando um sorriso leve de prazer inexorável; por alguns segundos ele não é ninguém e repousa na paz única da não-existência; não sofre, não é, pois “o que existe banha-se em mares e nuvens de inexistência.”