Magias em Diamantina e Carcassonne

Primeira Magia: De novo o Eduardinho. Desta vez ele nos levou para conhecer Diamantina. Não lembro se viajamos no seu velho Chevette, mas suponho que ele já não agüentava uma viagem longa (o Chevette, não o Eduardo, que tem uma energia de bicho-carpinteiro).

Diamantina era uma cidade histórica sem botox, que não havia feito plástica, nem se enfeitava para turista. Vivia dignamente com suas rugas, com seus prédios desbotados. Digo assim, no passado, porque faz muito tempo que não vou lá e não sei se algum governo não resolveu deixá-la mais “apresentável”. Suas ladeiras íngremes, seu calçamento de grandes pedras lisas dão-lhe um ar misterioso. Lembro dos botecos de serestas, por onde, conta-se, JK ia cantar e onde o Eduardinho tirou fotos com ele e pegou autógrafo.

Lá nos hospedamos num casarão colonial, azul-claro, cheio de janelas, pertencente ao dentista Márcio Gonçalves, amigo do Eduardo, com quem ele havia estudado Odontologia. Chegamos ao final de tarde e fomos colocados num quarto no piso superior do casarão. Dormimos cedo e pesado, cansados da longa viagem.

De manhã, acordamos com o sol entrando por grandes frestas da janela. Havia um cheiro de café doce no ar. Abrimos os postigos da janela e nos deparamos com uma paisagem de tirar o fôlego. Céu azul, montanhas silenciosas. De repente um piano soa pelo casarão e uma voz masculina começa a cantar uma canção do Milton Nascimento:

Clareia...manhã...

Descemos cheios de emoção as escadas. A família nos esperava à mesa, sorrindo, enquanto um rapaz cantava.

Pura magia.

Segunda Magia: Estávamos rumando para Bordeaux, visitar o amigo Osmar, que fazia seu doutoramento por lá. Ao telefone ele me disse que aproveitasse o rumo e parasse em Carcassonne, uma cidade medieval francesa muito bem conservada. Para economizar tempo e dinheiro, nos hospedamos num hotel próximo à estação ferroviária. Sabedores da simpatia dos franceses pelos latinos apresentamo-nos como brasileiros e perguntamos sobre a cidade medieval. O dono do hotel ficou feliz com a pergunta e nos levou para o terraço de onde nos mostrou a cidadela, com seus muros iluminados, ao longe. Discorreu sobre a história do lugar e deu um trajeto que poderíamos seguir se quiséssemos ir até lá. Quando o frio nos enxotou dali, rumamos para a cidadela, a pé.

Como era hora de jantar, resolvemos procurar algum lugar para comer antes de enfrentar a subida até a cidadela. Passamos por uma porta estreita com um cartaz antigo de que ali havia um restaurante. Aberta, a porta nos mostrou uma escada de pedra que descia para uma sala mal iluminada, com mesas e cadeiras escuras e, no fundo um fogo de churrasqueira e um cheiro de assado no ar. Quando a garçonete veio nos atender, eu disse que não gostaria de pedir, disse que gostaria de ser servido com o que eles quisessem. Ela ficou embaraçada e disse que então iria chamar o proprietário. Quando ele veio, eu repeti que gostaria que ele nos surpreendesse com o que ele achasse que deveríamos conhecer da comida do seu estabelecimento. O homem ficou radiante com a decisão. E aí começaram a vir as mais diversas surpresas. Entradas, temperos especiais, prato principal, carnes, salsichas especiais, sobremesa, queijos de cabra, um vinho maravilhoso. Era cedo. Só nós éramos atendidos, com uma atenção excepcional, numa orgia gastronômica delicada, cheia de sutilezas, estranhezas e ousadias. Saímos leves e bem alimentados. A conta foi muito menor do que eu calculava. O proprietário, encantado com o pedido, ainda nos presenteou com um digestif, um destilado para ser tomado após as refeições.

Dali, fomos em direção da cidadela em estado de graça e entramos numa cidade medieval tão conservada que parecia cenário de cinema. Puro mistério.

Pura magia.