MINHA VÓ FOI PEGA A DENTE DE CACHORRO

Desde tenra idade tenho visto colegas e amigos comentarem que os seus avós foram pegos no mato a dente de cachorro. Isso é lamentável e denota talvez a violência que as nossas primeiras nações tiveram que suportar naquele período de primeiro contato com os colonizadores. Inclusive muita gente que chegava de fora procurando parentes em aldeias indígenas procurando provar as suas raízes indígenas.

Os povos indígenas sofreram muito com a colonização do Brasil pelos europeus e isso é profundamente pautado nas relações nem sempre amistosas que os colonizadores mantinham (e mantém) com essas nações.

Eu não tenho a necessidade de reivindicar a minha cidadania indígena porque ela já é patente apesar de ter a minha criação desde pequeno na cidade. Os meus ancestrais indígenas não estão tão distantes de mim (apenas duas gerações) e tenho conhecimento de que todos eles não foram pegos a dentes de cães, mas foram pessoas que alcançaram dignidade apesar de muito pobres que tiveram que esconder que eram índios. Minha bisavó “deu duro” para sobreviver e conduzir a sua prole até a minha geração.

Aqui na cidade somos uma família praticamente na maioria de professores (quase todos se formaram em magistério) e eu particularmente desde criança me interessei pela causa indígena (deve estar no DNA), principalmente no estudo das nações e seus idiomas.

Quando criança descobri um livro de ensino do tupi pertencente ao meu pai (O Tupi na Geografia Nacional, do Dr. Theodoro Sampaio) e desde então procurei estudar o idioma. Daí, com o meu interesse cada vez mais crescente pelas letras pude tecer intensas investigações acerca desse idioma que já foi falado no Brasil de norte a sul (com poucas diferenças no vocabulário e sotaque).

Comecei a observar o vocabulário do povo Pankararu (as palavras recolhidas dos últimos falantes da língua) e verifiquei que falavam uma variante do tupi do norte do país (há palavras que hoje pertencem ao nheengatu – o tupi moderno do norte, tornada língua oficial no Município de São Gabriel da Cachoeira, Amazonas) e grande maioria das palavras do tupi antigo (aquele que é ensinado na USP pelo professor Eduardo de Almeida Navarro). Tenho me interessado e estudado com afinco o nheengatu, a “língua boa”.

A língua tupi, para nós soa mais fácil de aprender pelas inúmeras palavras dessa origem que herdamos na nossa língua, o português, cerca de 10.000 que já foram computadas.

Essa relação entre os povos das nossas primeiras nações sempre foi conturbada. Uma relação entre dominador e dominado, escravizante e escravizado. Os índios eram capturados à força sem condições de optar por sua liberdade. Muitos os capturavam para a escravidão e outros para o simples fato de exterminá-los, pois a ganância dos colonizadores era antagônica ao direito dos indígenas por suas terras originais. O dito “minha vó foi pega a dente de cachorro” é muito comum aqui na Bahia onde muitos acreditam nas histórias de seus pais que afirmam com essa certeza. Mas com toda a razão, não foi o caso da minha ancestral à qual lhe deram o nome de Maria Cordolina Pestana Barata, segundo a minha mãe sempre afirmava, que foi fruto de uma grande paixão de meu avô e deu origem a uma imensa prole da qual eu faço parte.