A menina presa na crônica.

Uma menina procurava nos livros uma história. Por que a história não encontrou a menina? Seria tão bom se elas encontrassem os personagens...

A História, essa austera senhora, aliada de monarcas e burgueses, se nutre de vidas eminentes servidas por mãos hábeis de gente convincente a serviço de quem dá o serviço. Nosso ofício é crer! Quem tem juízo crê! Quem não tem crê mais ainda. Quem desdenha é o mais crédulo! O servo, vassalo, carrasco dos hereges no Tribunal do Santo Ofício.

As bruxas já estão queimadas! Suas cinzas se espalham no ar. O cheiro da transgressão entra suave na alma dos perceptivos. Sensivelmente, condensam o aroma e dão-lhe forma. Mais colorida ou de um cinzento diferente, cuja aparência poderia dizer ser cromática. Cinza cromático! Preto luminoso! A luz vem da tinta preta no abismo branco e duro do papel. É a suavidade da noite no ciberespaço infinito...

E elas retomam a vida esvoaçantes e fortes quando algum louco ou atrevido resolve mostrar que não eram tão feias assim. Seus corpos tornam-se mais densos e belos quando vistos sob outros olhares sinceros e descomprometidos. E a História vira outra história. Várias histórias com inúmeras distintas e semelhantes latentes prontas a nascerem e viverem por um tempo ou pretensamente para sempre. Algumas não nascerão jamais. Existem aquelas escondidas nos baús do sótão, na poeira do porão. Nas cidades, nas vilas e nas tribos longínquas.

A menina largou os livros. Está agarrada à boneca, sua filha careca de vestido estampado como um bebê eterno... Ela voltou aos livros. A boneca está no sofá. Todos os bichos do mundo estão nas mãos da menina. Ela, mãe cuidadosa se volta para seu neném de olhos de vidro e carrega noutra mão várias vidas. É sua mão direita. A boneca no lado do coração. A destra aponta com uma versão da Bíblia para crianças na direção da avó da boneca. O livro-cetro da menina com cara de fada traz para sala na minha frente a magia duma narrativa ancestral. Verdadeira e eterna como eterna é a tentativa de se eternizar o olhar dum avô perante sua neta brincando sem saber que virou minha personagem.

São Gonçalo, 08 de novembro de 2016.

Oswaldo Eurico Rodrigues
Enviado por Oswaldo Eurico Rodrigues em 08/11/2016
Reeditado em 24/05/2021
Código do texto: T5816681
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