Confissões de uma morta viva, o retorno

Queridos leitores, continuo sendo uma moribunda, mas pela primeira vez pareço ter me acostumado com o fato. Estava devaneando, é o que moribundos fazem de melhor, ainda mais se estes já viveram muitos anos de grandes memórias inesquecíveis. Pois então, estava em meus devaneios, me recordo de ter meus vinte e poucos, os anos de ouro...gloriosos. Me recordo que nesta época brigava muito com minha querida mãe, que agora os anjos já levaram quando esta tinha a idade que possuo agora. Ela estava sempre errada e eu para ela também, não era uma época fácil, mundialmente falando e também em nossa família.

Teimosa como sempre fui, tinha uma sede de liberdade, claro que depois de todos esses anos sei que liberdade é uma linda construção ideológica criada para termos esperança e continuar a nadar, porém na época era tudo com o que mais sonhava, meu propósito de vida, nada faria sentido se não conquistasse-a. Contudo minha mãe não estava preparada para dar ao mundo sua única filha, por isso discussões intermináveis instalavam-se em nossa casa, que para mim já não era mais um lar. Parecia que tudo que eu enxergava, enxergava através de grades de um castelo gigante sem saída, era como me sentia na época, mas em minha família poucos entendiam e os que entendiam já haviam a muito sido taxados como loucos. Era eu quase uma morta viva, era como me sentia, mas a garra de sair do castelo e quebrar as grades a todo custo, me diferenciavam de ser uma morta-viva, pelo contrário, aquele era um momento em que estava muito bem viva, obrigada.

Com meus vinte e poucos, vivia para tentar sair de onde estava, presa em meus problemas e minha vontade de conquistar o mundo, pessoas mais velhas que eu, que agora já não estão mais por aqui, desacreditavam, diziam que o mundo lá fora não era fácil, mas dentro do castelo era muito mais difícil, era o que não entendiam. E então meus primeiros indícios de aceitação à morte foram com essa idade, o fato de querer conquistar a liberdade me deixava frente a verdade de que a morte viria e passei a vê-la também como uma forma de liberdade. Por passar a destemer a morte, pessoas próximas a mim me prendiam com mais afinco e força ao castelo, pensando que assim estaria protegida, erro das pessoas não tentarem entender, estavam me empurrando nos braços da morte, a esperança e garra de viver para sair de lá quase não existiam mais.

De um momento ao outro, dois extremos, de uma mulher cheia de forças pra tomar uma realidade cheia de vida, que lhe pertencia à alguém totalmente excluída de forças e foi então que vi pela segunda vez, naquele tempo, os olhos da morte me convidando para um passeio...aceitei, conversamos, mas notei que por mais admiração que sentisse por ela, meu estilo de vida não combinava com o dela, nosso encontro para um próximo passeio deveria ser remarcado e ela entendeu. Por tão pouco caros leitores, por tão pouco não fui, nunca teria experimentado tanta vida se tivesse ido naquele tempo de meu Deus, fiquei e fui feliz, vivi e vi muito, fui muitas coisas, ate chegar agora na velhice, louca para que minha velha amiga me encontre novamente, desta vez para um longo passeio.

Luiza Bruun
Enviado por Luiza Bruun em 10/11/2016
Reeditado em 10/11/2016
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