Traumas

-Num credito!!!

-Tô te falando cara, olha bem pra ela.Olha bem.Aquilo ali ó -e fazia gestos, apontando para a tela da TV- é um enchimento.Minha mãe que me falou ué.Se ela diz...

-Mas, mas...

-É sim cara.Quer ver?O manhêêêê!!!Vê cá um pouco.

-Que foi meu filho?

-Fala pra ele aqui, manhê.Não é verdade que é um homem?

-É sim.Um homem fantasiado de mulher.Cheio de enchimentos de pano ou sei lá o que por dentro.

-Mas, mas...não pode ser.

-Ta chamando minha mãe de mentirosa é?

-Não, é que, ...só não pode ser...

-Manhê, fala pra ele.Fala.Mostra aquela revista que a senhora me mostrou.Aquela revista que mostra gente da TV...

-Ah, menino!Eu tenho mais o que fazer!O feijão deve estar queimando.Deixa eu voltar pra minha cozinha.

Minuto de silêncio.Lá estava eu diante a TV.Perplexo, incomodado com o fato de “ela” não ser “ela”, mas sim, “ele”.Meu mundo tinha acabado de sofrer um primeiro impacto, uma primeira colisão.Meu conceito de verdade tinha se quebrado.Definitivamente, não dava pra acreditar.E, no meu íntimo, eu rosnava:

-Essa família de mentirosos...

Doce ilusão.Vieram provas e mais provas de que eu realmente estava errado.Realmente, Vovó Mafalda era um homem travestido.Isso foi demais para mim.Meu primeiro trauma.Minha vida não era mais a mesma.Lembro-me de ter proclamado em alto e bom som:

-Também, nunca mais assisto a Vovó Mafalda!!!Um homem que se veste de mulher, e com um nariz de palhaço?Credo!!!

Depois de um tempo, nem me lembrava mais da promessa, quanto menos da Vovó.Estava crescendo, e meus interesses, mudando.Outros traumas viriam me afrontar, me incomodar.Que digam as equações químicas.