Andropausa

Há algo muito de errado comigo, eu sei. Alguns amigos querem me tirar do momento que estou passando, me oferecendo alegrias passageiras, companhias extraordinárias, pensando que assim resolverão meu estado de morte. Outros dizem que meu problema chama-se mau-de-amor, coisa mal curada, prisão no passado. Alguns outros desavisados ainda me falam de carências. Meia dúzia me falam de coragens, aquelas que não existem em mim. As alegrias passageiras estão para mim apenas como uma opção, cabendo a mim aceitá-las ou não. E de fato, até aceito o pensamento, mas tenho ciência de que são passageiras.

As companhias extraordinárias apenas me encantam por algumas horas, alguns goles, algumas risadas afogadas em alguns copos de cerveja. Meus amigos antigos, aqueles de datas, vacilam quando tentam me incutir na ideia o mau-de-amor, doenças sentimentais às quais não me recuso a esquecer. Minha memória é boa, não sei o que é ter amnésia. Lembro, remoo, entristeço e vagueio ainda por essas definições. Mas não sei definir o que seja mau-de-amor. Apenas mando passearem como forma de sobrevivência, um antídoto natural.

Carências. O que são elas? Se fossem, eu estaria me entregando aos primeiros lábios que se apresentam. Mando darem meia volta, circularem. Não quero toque, não quero conversas.

Ninguém sabe o que se passa aqui dentro. Já pensei em desistir inúmeras vezes, entregar os pontos. Estou fugindo até de parentes, aqueles que apenas vejo em velórios ou ficam dando pitacos em redes sociais. Alguns aproximam apenas para interesse alcoviteiro, nada podem acrescentar nem mudar.

Eu não tracei uma história de vida, não premeditei companhias, não escolhi insatisfações.

Apenas deixei a vida me levar pelo caminho natural das coisas. Desinformações? Talvez sejam, mas não me senti posto diante de opções prepostas. Há um vazio, uma sede e fome não sei do quê. Me entupo de nicotina lentamente, pelas desilusões que estão em minha vida. Há amor, esperanças, coragens. Ressentidas, mas são coragens! O que não vejo é caminho, solução, milagres. Sei que tenho que passar pelo momento que vivo. Os sonhos enterrados não pretendo desenterrá-los, estão bem onde estão. Não quero amores, não quero mesmices, não tenho no peito o desejo ardente da promiscuidade de vida.

Me tornei amargo porque nasci doce e estou perdendo a docilidade à medida em que vivo diante das interrogações da vida. Deus não esquece dos seus filhos, assim como uma boa mãe não deixa seus filhos aproximarem das bestas feras das savanas.

A vida não é perfeita nem pra mim nem pra João, nem pra Maria nem José. A vida perfeita só conheci em novelas, nos contos, nos romances. A sede que tenho é de um eixo. Quiseram ainda me transformar pela religião, apregoando-me solução de problemas impossíveis aos homens. Aceito a proposta, mas não as sigo. Minha religião chama-se Deus, a quem fui ensinado a crer.

Das mãos dos homens não espero nada de bom, nem da psicanálise, nem da psicologia. Discordo de todos os caminhos que me mostram, discordo e nada me faz acreditar neles. Quem eu sou só eu é que sei. O que sinto só eu é que sei. O que quero só eu é que sei. O que desejo só eu é que sei. O que não quero também só eu é que sei. Deito, acordo, durmo e acordo. Disfarço um sorriso escondido atrás da sede e da fome. Verdadeiros meus sorrisos, sempre foram, mas escondidos estão dentro de uma procura que nem eu mesmo sei o fundamento. Ser feliz ou sentir-se bem não está nas minhas metas. Tenho me encontrado assim, me achado assim.

Minhas estruturas apenas eu é que conheço. Tudo que quero é tempo, ficar sozinho, refletir, tentar zerar tudo que vivi e começar uma nova vida, mas do meu jeito, não intervenham! Assuntos delicados meus, coisas de espiritualidade, inconformações internas muito minhas. Aceito a vida, mas não aceito a forma como vivo no momento. Sorrisos ou alegrias não se acham nas prateleiras dos mercados, nem nas mais lindas e métricas poesias. Talvez acham-se nelas momentaneamente um alento, uma ocupação, um conforto. Quando se tem uma mente barulhenta e atordoada como a minha, defino-me como um momento intrínseco aos das mulheres: eu estou na andropausa.

Pegou-me de cheio esse demônio que está difícil de exorcizar. Mas, como me conheço finalizo com o seguinte ditado: "dou um boi pra não entrar numa briga e uma boiada pra não sair dela!"

Se for pra zoar, zoe. Se for pra desacreditar, desacredite. Se for pra analisar, analise. Só entenda que estou vulnerável, possuído, e só dou uma melhoradinha quando entro pro meu quarto, pego uma xícara de café e fumo um cigarro. Errado! Péssimo! Suicídio! Mas são meus momentos relâmpagos e são neles que estou vivendo. Agora, com licença, cansei de falar. Faz muito calor, frio. Sinto arrepios, satisfações, insatisfações, realizações e irrealizações em mim.

Daniel Cezário
Enviado por Daniel Cezário em 15/11/2016
Reeditado em 15/11/2016
Código do texto: T5824222
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