Contra-Cheque de Prostituta

Às vezes tenho nojo de olhar para as pessoas. Nojo não, tenho medo. Aliás, tenho uma série de coisas que não me fazem bem encarar tanta gente na rua, podem até achar que sou cego, mas prefiro o rotulo por andar sempre de óculos escuros, que ficar confrontando, olhando-as me olharem como se eu fosse uma peça de museu ou um extraterreno de orelhas pontiagudas e cabeça verde. Adoro ir até a lagoa da Pampulha e me sentar em uma depressão do barranco que tem algumas Tabúas fazendo uma espécie de muro em volta, sinto-me seguro com a ausência de gente daquele lado. Por falar nisso tenho uma curiosidade a contar sobre essa planta, quando criança logo após a morte dos meus pais fui adotado por tios, indo morar no “Sitio Flores dos Ipês” uma beleza que minha memória não se cansa de recordar, na entrada ao lado de cancela de Garapeira subia uma cobertura com quatro robustos pilares de tijolinhos a vista, telhas coloniais e uma placa dependurada esculpida em aroeira com os dizeres, “Sitio Flores dos Ipês”. Quando contrai a paixão pela leitura vi que aquele lugar estava presente na Ilha Misteriosa de Verner. Seguia-se então após a cancela sobre um tapete lilás dos Ipês Roxos que se enfileiravam até cederem espaços aos amarelos, que também desenrolavam seus tapetes, Borboletas e Colibris dançavam nos ares. Ao virar à esquerda Bem-Te-Vis pareciam cumprimentar sobre os mourões das cercas, lindos Flamboyants eram vistos do lado direito fazendo sombras para vacas e bezerros que mastigavam sem pressa. Uma rampa de concreto se estendia do alto de um pequeno morro até a estrada que continuava sua sina até se transformar em um pequeno risco a muitos olhos de distancia. Meu tio era dono de uma Kombi Samba 1965 com umas grades no teto que ele chamava de bagageiro, as laterais eram verdes e o restante branco, os faróis pareciam dois olhos esbugalhados. Ela subia a rampa fazendo um barulho estranho e saindo fumaça além do normal, meu tio sempre gritava, “Suba sem criar casos!”, era sempre uma festa a volta da cidade, pois quem ia sentia-se maravilhado com o passeio, quem ficava ganhava presentes; balas, doces, marias-moles e suspiros, eram quatro primos: Guido, Maurinha, Fabinho e Cabeça, comigo a conta deixava de ser par, obviamente eu estava presente em quase todas as viagens para evitar brigas. A casa dispunha de seis cômodos, fora aquele que ficava há poucos metros da porta da cozinha, deposito de sacas de mantimentos, usado também para as brincadeiras de “Esconde-esconde” até o dia em que Maurinha saira do esconderijo gritando que havia um rato lá dentro. Após revirarem todo o lugar descobrira-se que o rato era um Mocó que acabara virando um assado que comemos na janta. O rio ficava nos fundos da casa, era descer aquele morrinho e chegar as Tabúas que chamávamos de pântano dos Jacarés, lá saltávamos como acrobatas de circos, eram saltos mortais para frente, para trás, estrelas e o que mais viesse a mente, as molas do corpo não impediam. O rio descia até as pedras sob um emaranhado de ingazeiros, com dois grandes coqueiros fazendo barulho do outro lado da margem. Às vezes minha Tia acordava a gente com a noticia de que iríamos almoçar na beira das águas, éramos os responsáveis pela pesca enquanto ela preparava o arroz e o feijão. Infelizmente por falta de escola próxima ao Sitio, um por um, foi deixando aquela vida de sonhos para realidade do barulho e da violência das cidades. Um dia quando preparava mais uma viagem para New York fazendo conexão no aeroporto internacional Marechal Rondon em Mato Grosso, tive a ingrata noticia de que o vôo se atrasaria por algumas horas, estressado com a possível perda de compromissos há muito agendados, fui até um bar e pedi uma vodca com água de coco, depois mais uma dose, percebi que uma moça ao lado me olhava intrigante. Após outra vodca acendi um cigarro e a ofereci uma bebida levantando o copo, assim foi o começo do contado com Alexandra Minotti que confidenciara ser professora de Biologia em uma faculdade de Goiás, mas nas férias trabalhava como prostituta. Minha cabeça mergulhara no “Pântano dos Jacarés” e no refugio da Pampulha, pela clara possibilidade de saber mais sobre as Tabúas, enquanto ela falava dos preços e de como era ágil na cama, meu interior estava no pretérito, eu só queria saber sobre as Tabúas. Alexandra em um momento de saco cheio talvez achando que eu fosse um Psicótico ou coisas do tipo. Disse olhando severamente para mim, - Você quer saber sobre Tabúas? tabúa-larga, tabúa-de-espiga-negra, morrão-dos-fogueteiros, morrião-dos-fogueteiros. Os caules são simples, aéreos, direitos, elevados. As folhas são lineares e planas, com 1 a 2 cm de largura, pouco mais largas que a inflorescência. As flores são unissexuais, reunidas em duas espigas cilíndricas sobrepostas, contíguas, a inferior é feminina, negro-acastanhada, a superior é masculina, amarela e mais estreita. Perianto substituído por pêlos. O fruto é seco e monospérmico. A FLORAÇÃO acontece De Junho a Agosto. Quer saber o HABITAT? Pântanos, margem de lagoas, charcos, valas ou locais inundados. Acredita agora que sou professora de Biologia? Agora olha aqui meu contra-cheque, olha porra! É por isso que estou dando! Todas as vezes que busco refugio na depressão do barranco circundado pelos muros de Tabúas me lembro de Alexandra Minotti falando com aquela boca carnuda e os olhos verdes nervosos, talvez um dia a gente faça amor naquele barranco.