UMA FAMÍLIA
UMA FAMÍLIA
Chamemos-lhe A*. Foi minha vizinha enquanto morei, por largos anos, naquela rua algo estreita e sombria, numa colina onde em escadinha, um dos bairros típicos de Lisboa se estendia.
Ela teve cinco filhos, quatro rapazes e uma rapariga. Criou-os com todo o amor que o seu pobre coração de mãe podia liberar. Levou sempre uma vida de sacrifício, de poupança extrema, exagerada considero eu. Riam-se dela por chegar ao cúmulo de ir para o mercado, manhã cedo, apanhar folhas de couve do chão, restos caídos das caixas, para depois fazer sopa em casa.
Os anos passaram e um dia ficou acamada… De vez…. Do coração, dizia-se.
A filha, E*, perante a relutância dos irmãos em assumir a mãe, ofereceu-se para o fazer, mas tendo como contrapartida controlar os dinheiros da progenitora, que, entretanto, ficara viúva. E logo passou para seu nome títulos bancários e algumas pequenas propriedades que a mãe, na terra natal, ainda conservava em seu nome.
Passados meses A* morreu, definhada e magra como sempre fora. A filha, entretanto, cortou relações com os irmãos e ficou com todo o pecúlio da mãe, apropriando-se assim da herança global e prejudicando quem tinha os mesmos direitos.
A disputa pelos bens já se arrasta há anos pelos tribunais e não se vislumbra solução a breve prazo.
Entretanto, no passado dia dois do corrente mês de Novembro, desloquei-me ao cemitério do Alto de S. João para estar um pouco junto do jazigo de meus tios, quem me criou e a quem presto anualmente homenagem através dessa visita.
Casualmente, passei pela campa de A*, de que conhecia a localização por ter acompanhado o funeral, ocorrido uns meses atrás. E perante o aspeto desolado daquele monte de terra, apenas identificado com uma placa e um número, não pude deixar de lembrar aquela vida sacrificada, plena de privações. E para quê, Santo Deus?
É triste não termos quem honre a nossa memória nem mostre sequer um pouco de agradecimento…
Nota do autor: Os nomes foram omitidos mas os factos relatados são rigorosamente reais.