O ESTACIONAMENTO DE MARIA

Cada um fala o que pensa a sua maneira. Numa das mais recentes e belas canções da música popular brasileira, o grupo Casuarina canta a composição de João Nascimento e Wander Pio, Terra Firme, em que certo trecho diz: “Eu, que cheguei a imaginar, no momento em que pisei, no teu chão tão bem cuidado, que tinha achado meu lugar, que eu ali seria o rei e que o mar era passado”. Porém, no final, os autores voltam ao princípio, onde diziam “Sei que entre um cais e outro há, incontáveis corações” e concluem “que grande ironia é saber: - o coração que é do mar, já nasceu pra navegar e não para em terra firme”.

Lupicínio se consolou ao lembrar que um dos seus amores “nasceu com o destino da lua, pra todos que andam na rua, não vai viver só pra mim”.

Zeca Pagodinho fez uma releitura deste tema: “eu errei quando tentei lhe dar um lar, você gosta do sereno e meu mundo é pequeno pra lhe segurar; vai procurar alegria, fazer moradia na luz do luar. Vai vadiar”.

A Maria dos Amores é uma das musas do lugar onde vive. Eu sou otimista, que lá não existem muitas, Maria é “a musa” de quase todos, que a unanimidade deve ser burra e eu não vou generalizar. Sou apenas mais um dos admiradores da moça, que parece dar especial atenção ao meu olhar, desde que ficou sabendo que a médica disse que estou enxergando maravilhosamente bem. Menos mal, a ação pode estar pouca, mas o olhar continua atento.

Dos Amores é um acréscimo feito em homenagem a fila da Maria, a interminável fila da Maria, que ninguém lembra quantos ela já fez sofrer. Sim, ela fez muitos sofrerem muito, que todo mundo sofre quando perde o que vale a pena, e a Maria vale, até a perda.

Contudo, não pensem que a Maria parece vadia, que não parece. Nem acreditem se disserem que é vulgar, também não é. Na dela, quase recatada, independente, pegadora. A Maria pega, e não são poucos, para desespero da maioria a quem a sorte não sorriu.

- Ainda, dizia o Lalau, que acreditava na sua lábia, nunca eficiente quando se tratava de Maria.

Contudo, a vida é generosa. Volta e meia e o Lalau estava ali, cercando aquele corpo, que o cara gosta de um rabo-de saia.

Ela, nos últimos dias, parecia solitária. Mais calada, quase triste, olhar perdido, às vezes. E o Lalau ali, no mínimo para ser um ombro amigo, perguntou:

- Maria, tá sozinha, casada, tem um ficante ou seja lá o que for, alguém estacionado nesta vaga?

- Não, é claro, respondeu Maria, com aquele ar soberano que afastava quilômetros da área o infeliz sonhador, meu estacionamento é rotativo.