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O sino da igreja toca, ele sai de sua casa para a caminhada rotineira.

Tinha por hábito este exercício diário onde mais que resultados físicos buscava encontrar refrigério para abrandar suas dores.

Ficara viúvo fazia muitos anos. A perda de sua companheira desnorteara-lhe a vida, tirando-o do prumo de forma permanente, nunca se refez. Sobrou-lhe a angustia e uma secura em suas poucas frases, transformando-o num homem triste que já não mais vivia no presente. Foi feliz, não era mais. Seu tempo era outro, seu lugar não era aqui, não era mais aqui de forma alguma.

Solitário, não quis contrair novo matrimônio e a opção de não ter filhos transformou-o em pessoa reservada escondendo-se em seu silêncio cujo coração desabitado jazia imenso vazio, o velho solitário.

(O avançar da idade transforma as pessoas, aproximando-as àquelas que envelheceram juntas, como num rebanho que se aquece em meio ao frio do inverno, quando estas faltam encontram dificuldade em fazer novas amizades).

Os passos são lentos. Para onde vão? Pouco importa. Sem um porque, apenas anda sem rumo pelo trajeto rotineiro , imutável a exemplo da estrada que segue constante o mesmo caminho sem nunca arriscar-se a sair do lugar.

Parando a cada esquina, suspirando a cada nova lembrança, relembrando cada momento que viveu e a amargura do que ainda lhe resta viver.

A cidade se move frenética frente ao velho que espera estático na mesma altura, andando sem se mover, vivendo sem viver, esperando o tempo monotonamente passar.

Com certeza era um homem triste.

As pedras da calçada conheciam sua historia, tão escassa de alegrias quanto anônima, só ele sabia o que viveu e por isso queixava-se da falta do que já teve. Uma história repleta de melancolia e desalento, como poucas, certamente renderia um longo conto Kafkiano ou uma letra de Vitor Ramil

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No dia do aniversário de sua companheira morta, o sino tocou e o velho não saiu.

Horas mais tarde encontraram seu corpo frio balouçando sob o caibro mais alto e mais grosso da casa. Ninguém deu por sua falta.

Sobre a mesa um bilhete:

- Feliz aniversário minha querida, acabou. Vou ao teu encontro.

Um beijo do sempre teu.

A brisa gelada na manhã sombria anunciou a ausência do sol. Os pardais permaneciam num silêncio melancólico presentindo qualquer coisa que ninguém percebeu. O sino tocava.

O dia nublado confirmava a tristeza do velho, que partindo para o desconhecido, ausentava-se de um mundo ao qual nunca viveu.