Mini crônica de um pseudo escritor

Saíram para comemorar o aniversário do amigo. Passaram na distribuidora de bebidas para comprar uma caixinha de cerveja, antes de tocarem o interfone e pedirem para abrir o portão. Um evento simples, na garagem mesmo. Lá, poucos amigos, sua esposa, cunhada, filhos e sobrinhos. Desde o momento em que sua esposa dissera que haveria uma comemoração singela na garagem do Zé, não conseguia pensar em outra coisa que não fosse na oportunidade de tomar umas cervejas. Bom, ficar meio embriagado era uma coisa que ele, após escrever um bom texto sob efeito do álcool, poderia lhe proporcionar inspiração. Como havia proporcionado a alguns dos grandes escritores.

Uma caixinha de cerveja continha quinze latas. Quinze latas bastavam para deixá-lo com a “língua mais solta e o pensamento mais livre”. Aliás, oito ou nove latas já seria suficiente. Quando começou a beber, o pensamento recorrente era que deveria tomar suas oito ou nove latas o mais rápido possível, antes que os outros convidados tomassem tudo e ele não alcançasse o estado psicológico que esperava. Mantinha o celular sempre à mão, prestando atenção a cada palavra que os amigos, embriagados ou não, diziam. Registrava, no bloco de notas do celular, todas as falas que pareciam-lhe interessantes e diferentes. O alvoroço de pessoas falando, todas ao mesmo tempo, era uma oportunidade e tanto para fazer um registro dos diversos tipos de fala, vozes e sotaques. Seria ótimo ter tudo aquilo registrado e à mão quando precisasse. Chegou a pensar que, talvez, estivesse parecendo um daqueles excêntricos com esse lance de se tornar um escritor. Aquilo estava presente em, praticamente, todos os momentos, desde que fixara a ideia de escrever algo que prestasse. Ao assistir televisão, ficava vidrado nas falas e nas construções de personagem da novela e dos filmes. Ao conversar com a esposa, prestava mais atenção no sotaque e nas idiossincrasias linguísticas da mulher, oriunda da Bahia, do que no assunto em si. Ao ler um livro, tinha sempre à mão um lápis ou lapiseira para sublinhar ou fazer anotações nas páginas. Sempre buscando aprender mais e mais. Sentia a necessidade, quase um T.O.C, de registrar cada fala, cada gíria, cada voz.

Foi o que fez quando chegaram em casa. Ligou o computador e começou a registrar tudo o que havia visto e ouvido. Transcrevia as notas feitas no celular para o bloco de notas, no computador. Os olhos pesados e a mente rodando, por conta das oito ou nove latas de cerveja. Aquilo poderia ser, sim, uma excentricidade…uma ideia fixa, talvez. Mas, se fosse mesmo, não importava. O importante eram as possibilidades.