______________ OS DONOS DA RUA

 
Pior que sair em cima da hora para o trabalho é ter que atravessar uma avenida supermovimentada no horário em que metade da população retorna do almoço. E pior ainda que isso é saber que essa avenida não tem sinalização, a cidade tem em média um carro para cada cinco habitantes, uma moto para cada dois, e três bicicletas para cada um.

Desavenças políticas estão por trás do caos. Mais ou menos aquela coisa de um prefeito implicar com as obras da administração anterior e querer desmanchar tudo só por capricho. Pois bem, a avenida que tenho de atravessar fica na mira de tudo isso. Vou a pé para o trabalho, e como pedestre sou obrigada a me render à consciência dos motoristas: se quiserem ceder a vez  tudo bem, se não quiserem tudo mal... Naturalmente, para  quem espera com toda a paciência que se escoe a infindável procissão dos veículos que buscam a região central da cidade.

O semáforo que controlava o fluxo do trânsito durou pouco. Quando inauguraram os luzeiros no infernal cruzamento foi uma festa para quem tinha que transitar com frequência por ali. Mas a celebração teve prazo de validade: um belo dia  os faróis amanheceram  apagados e nunca mais se acenderam. Restaram apenas os postes pretinhos lembrando os breves dias de conforto e tranquilidade... Agora,  só os esqueletos, sem função alguma.

O que leva  condutores de carro, moto ou bike a acharem que a rua lhes pertence? Difícil entender, mas acham que o mundo é deles, a rua foi construída em função de seus veículos e ponto final. O pedestre, se quiser que espere. Que conte com a sorte, ou corra pra morte. O importante é que a via se conserve como prioridade de quem conduz alguma coisa, desde que esta coisa não seja um par de pernas.

Pra começar no trabalho às 12h, então que se  reserve 30 minutos para a espera na rua. E isso é fato. É chegar, parar junto ao meio-fio e ficar por ali em valentes tentativas de atravessar. O cordão de motorizados que desce em direção ao centro nem se dá conta de que pobres pedestres também têm horários. E se o relógio avisa o adiantado da hora, então é fogo!

Chego à calçada e avalio: aventurar-me na guerra das ultrapassagens perigosas, das buzinas, das manobras arriscadas e das caras estressadas  é suicídio! O trabalho que espere. Quem me espera que espere. Não vai dar pra  correr o risco. O jeito é levar na esportiva, respirar fundo: ali perto há uma frondosa acácia florida. Me ponho a admirar os cachos de flores amarelas e cheirosas. Que beleza! Quer saber? Se é pra esperar, que seja debaixo de uma bela e boa sombra...



 

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