A cidade infinita

A cidade se estendia infinitamente para todos os lados. Podia-se estabelecer qualquer direção e segui-la indefinidamente sem nunca encontrar limite no conjunto de habitações sem fim. Percebia-se, eventualmente, ao se percorrer a cidade, zonas menos densas que talvez dessem a impressão de proximidade com algum limite, mas tais regiões acabavam sempre conexas a outras mais densamente habitadas que não sugeriam aproximação com um fim.

O medo de se perder era constante, perpassando todos os habitantes da cidade, exceto os nômades que vagavam a esmo, quase sempre com o olhar tão perdido quanto a própria presença. Podia-se, sem risco, movimentar-se pelas cercanias, por regiões próximas assinaladas por qualquer marca que as sinalizassem. Incursões além de tais limites envolviam riscos; imperioso saber refazer o caminho de volta, sob pena de, nunca mais retornar, tornado-se um ser errante; improbabilíssimo encontrar alguém capaz de informar sobre caminhos e destinos, outros, que não os seus próprios.

Mascates errantes contavam histórias de zonas menos densamente habitadas sugerindo proximidade com algum limite, mas logo suplantadas por outras muito mais povoadas do que a imaginação pudesse fazer crer. Também entoavam cânticos saudosos de regiões sem retorno, descrevendo uma cidade sem fim.

* a J.L.Borges