Callie & Kerla

Conheci Kelly na pior fase da minha vida, e foi o mesmo para ela. Tínhamos nosso problema em comum, e seguíamos nos entendendo nas tristezas, questões e bobeiras. Assim, a nossa amizade foi aos poucos, ficando tão especial como um bom clássico Disney deve ser, e então, nos tornamos melhores amigas. Se eu fosse em algum lugar sem ela, isso era estranho não só para mim, mas para todos ao redor. Quando ela ia em algum lugar sem mim, as pessoas a perguntavam sobre meu paradeirocomo se fossemos irmãs, que morando sob o mesmo teto, tivessem sempre, por obrigação, a capacidade de responder mais do que um "não sei", quando questionadas sobre onde a "segunda parte" estava.

Parecia que não existia mais uma sem a outra, e por mais que pareça irreal, de certa forma não existia, porque nossa amizade nos mudou. Fomos compartilhando nossos jeitos, e com a convivência, encaixando os gostos. Por mais que eu fale em modo acelerado, Kelly é sempre quem não apenas entende, mas também traduz aos outros o que eu quis dizer. Por mais que eu não gostasse de manga, comecei a gostar de tanto insistir com os outros, que nos lanches seu suco não poderia faltar, enquanto só Kelly sabia que o real motivo da insistência, era por manga ser seu sabor favorito.

Andamos e sentamos juntas. Escolhemos a mesma graduação, na mesma faculdade, e selecionando as mesmas matérias, continuamos juntas. Tudo parecia estar normal, como vinham sendo os cinco anos desde que colamos uma com a outra, mas apenas parecia. Porque além de todas as coisas boas que temos em comum, trazíamos nossas lembranças das amizades abusivas do passado, que com interesse financeiro ou mão de obra, sempre éramos postas em décimo terceiro plano. Nossa infância foi toda assim, (com uma única exceção, que um dia terei o prazer de relatar) então mesmo que nossa amizade seja diferente, todo qualquer sinal de retorno ao passado, já era grande o suficiente para nos retrair.

Mais cedo, eu queria que o dia de ontem nunca tivesse existido. Até que o dia de hoje chegou e fez tudo valer a pena. Resumindo tudo e apesar de tudo, ambas se sentiam em segundo lugar, como reservas uma da outra. Reações diferentes diante da tristeza, faziam com que enquanto uma criava expectativas de apoio, a outra, também com suas dores, naturalmente não criava expectativas, decidindo então que o melhor a ser feito era dar espaço, sem saber que ficar só poderia ser um contraindicativo para uma situação como aquela. O silêncio era uma decisão arriscada que eu não estava acostumada a tomar, e o isolamento foi algo que não escolhi por livre e espontânea vontade. O meu silêncio não era algo que Kelly estava acostumada a ouvir, e na dúvida entre o fazer ou não, o não foi a alternativa que não só ela, mas todos os outros escolheram, até por que, como saber?

O choro era reciproco, e agora o motivo da tristeza também. Após uma noite em claro, atordoada com muitos pensamentos, optei por não fazer mais meu silêncio. E de manhã, falamos tudo, e descobrimos muito. Kelly percebeu que se tem uma coisa que ela não é, e nunca será, é uma reserva. E eu percebi que apesar de tudo que estava sentindo, minha presença é sim, importante. E que isso não vai mudar, mesmo que eu realmente me mude para outro estado, mesmo que o tempo passe e nos mude, seremos sempre as mesmas.

Seremos sempre, Callie. Ou Kerla. Tanto faz.

Pois não importa a ordem,

o primeiro plano é sempre nosso.

Carla Cajado
Enviado por Carla Cajado em 04/12/2016
Reeditado em 05/12/2016
Código do texto: T5843349
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